"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro

quinta-feira, maio 31, 2007

de olhar posto no caminho dos pés



Az

Santiago-Finisterra, Maio de 2007

terça-feira, maio 29, 2007

a noite é povoada por fantasmas.
réplicas de corpos que já nos pertenceram.
mãos que se afastam das sombras das paredes.
não pretendo asfixiar a ausência
cobrindo-me com lençóis e cobertores,
mantas de retalhos fotográficos.
queimo o incenso.
embacio os olhos na leitura dos livros de cabeceira.
ensaio uma letra e depois outra.
tenho demasiado prazer nesta solidão.
de agora em diante, não te aproximes sem pedires licença.
a nossa relação é um naipe de espadas
e nenhuma te atinge o peito.
já não sei se te aguardo,
se te adio indefinidamente.
como pedir-te que fiques
se nunca deixaste de ser luz de presença intermitente?

Az, de santiago a finisterra


um anticiclone percorre as mãos em desvario
amanho como posso os dias desejaria perder
no corrupio das chuvas os indícios do medo
que cavalgam rumo ao coração e derrubar
as palavras com o gume cortante do silêncio
talvez seja possível aprisionar a claridade do mundo
na bainha deste poema enquanto pode o olhar
reter a intempérie e as raízes

joão manuel de oliveira ribeiro

segunda-feira, maio 28, 2007

se nas mãos abertas te couberem outras mãos
aprende-lhes a linguagem do coração que trazem dentro

sábado, maio 26, 2007

sábado, ou um dia a mais para a perfeição

hoje a música está alta. fui buscar o cd que me gravaste. é longo. várias faixas, dos anos 80 a outros anos que os olhos nem sempre recordam mas a pele não pode ignorar. tantas canções a pedirem que encoste a cabeça ao teu ombro e dance. mas há coisas que não devemos permitir que se repitam. pode ser?


a porta aberta e outro alguém onde dançar os braços. é tão bom quando chegas com esse sorriso, me puxas para dançar e depois me sentas à mesa contigo e desenrolas as tuas histórias, de vidas passadas entre copos e viagens, desperdício de olhares, procura do abismo. recuperaste a embriaguez quando te decidiste a perde-la. gosto da tua loucura. e gosto de te confidenciar as minhas histórias. tu adivinhas-me, mesmo se falo pouco. e se olhar é tão mais forte do que partilhar corpos, acho que também já dormimos na mesma cama. tantas vezes me levaste no teu carro vermelho. e eu sempre parada à porta.


a tarde avança entre gritos de crianças na rua. já não tenho cigarros nos bolsos para conter a ansiedade das horas. penso em ti. é irónico o pouco que temos em comum. os livros de cabeceira. os filmes das nossas vidas. as canções que nos marcaram. as conchas, as pedras, os pacotes de açúcar... não és o meu reflexo mas também não temos que ser o espelho de ninguém.


não voltes. atrasa-te. demora-te de casaco descaído sobre os ombros. deixa que se escape o primeiro combóio, depois o segundo...mais tarde, da liquidez dos objectos que se deixam guardar, colherás as tuas asas.

voa.

fecho a porta. invento uma nova versão para dizer: não há dias perfeitos. mas este podia ser um deles.


Az

10CC - I'm not in love

I'm not in love, so don't forget it.
It's just a silly phase I'm going through.
And just because I call you up,
Don't get me wrong, don't think you've got it made.
I'm not in love, no no, it's because...
I like to see you, but then again,
That doesn't mean you mean that much to me.
So if I call you, don't make a fuss -
Don't tell your friends about the two of us.
I'm not in love, no no, it's because...

I keep your picture upon the wall.
It hides a nasty stain that's lying there.
So don't you ask me to give it back.
I know you know it doesn't mean that much to me.
I'm not in love, no no, it's because...

Ooh, you'll wait a long time for me.
Ooh, you'll wait a long time.
I'm not in love, I'm not in love...

sexta-feira, maio 25, 2007

far away from y


foto by M.

quinta-feira, maio 24, 2007

Santiago-Finisterra, 20-23 de maio 2007

84,50 km mal divididos por 4 dias.os pés não se queixam. as costas não se queixam. os olhos, a pele, os sentidos...esses, sim, queixam-se deste regresso à rotina!


notas de viagem:

enfeito os teus cabelos com flores do caminho.

sou uma árvore a dançar entre azuis.

sei agora: um combóio partiu contigo dentro.

tão certo como o sorriso ser a melhor forma de abraçar.

quero misturar-me aqui e não mais separar da pele do corpo estas cores, estes cheiros.

a mão é grande e não nos permitirá a queda.

por entre a saudade, esta janela hoje saber-me-á a um abraço.

como na última ceia, fomos 13 a ocupar os lugares à mesa.

janela para o mar e uma promessa.

zeca afonso no lugar onde a terra acaba.

fumar mata.

queimo os atacadores das sapatilhas e regresso mais leve.

pedras, folhas, flores, conchas e algumas gotas de chuva, algumas gotas de mar, na mochila.

a pele é areia de praia.

ardem-me poemas nos dedos.

os meus cabelos, presos num lenço, esperam que os desenroles nos lençóis do teu peito.

só o coração sabe verdadeiramente o nome das coisas que ficam.



agora que aqui estou como fazer para voltar?

domingo, maio 20, 2007

há um caminho à minha espera.
sem tirar os sapatos, vou.
já comprei novos bolsos para acrescentar aos das calças. muito bolsos,
amarrados ao corpo, amarrados uns aos outros, ao peito, ao lado esquerdo.
desafio-me a caber neles todas as paisagens.

tecnologias para o caminho: árvores, gotas de chuva, fragmentos de sol,
sombras, pétalas, vento, folhas, estrelas...

nas minhas pegadas, a ausência das tuas.

se ao menos terra fosse o tecido
de pele onde
finalmente
te aconchegas.

sexta-feira, maio 18, 2007

faltam os teus olhos à espreita do meu decote.

quinta-feira, maio 17, 2007

4as em Lisboa #6

o verão a dependurar-se nos ramos que enfeitam o rio. o verão a enfeitar os meus olhos. os meus olhos a enfeitarem o verão.





Az


importas-te de me trazeres o rio ao verão da minha pele?

terça-feira, maio 15, 2007

já não entrava numa igreja há muito tempo. hoje, entre um percurso e outro, entrei numa. daquelas à moda antiga, com talha dourada e santos esculpidos em barro. só queria uma porta para fora da cidade. em vez de um cigarro numa mesa de café, um fragmento de silêncio num banco de igreja.

acho que estou a deixar de fumar. hoje rezei e ainda não peguei num cigarro. em compensação estou a pensar fazer outro piercing...

só me falta escrever poemas sobre a recolha de resíduos sólidos urbanos.

segunda-feira, maio 14, 2007

voltas.te

este abraço uniu duas margens. dois tempos. duas cidades.
jamais separar do corpo aquilo que nunca nos pertenceu. mas que é nosso. jamais os teus olhos assim tão longe. jamais os teus passos distantes. mistura-te neste chão, nestas paredes. confunde-me as mãos nas tuas. os meus cabelos nos teus.
e este sorriso aqui: é meu ou teu?


Az

tão bom quando do sangue comum nos nasce a amizade.
A propósito de emílias, a propósito daqui, da carta ao mundo de Dickinson:


Contabilidade


Quantas emílias houve na minha vida?

Vou contá-las:

a primeira, é a bronte. Uma emília do
campo, selvagem, solitária, fugindo pela
porta das traseiras sempre que o
heathcliff lhe assobiava aos ouvidos.

(Uma noite, ao fechar a janela do quarto,
na província, a mão dela agarrou-me a tempo - é
que o vento queria entrar em casa: o vento
norte, esse que faz voar reposteiros e folhas,
e fica a bater nos vidros se o
deixarmos lá fora);

a segunda é a dickinson; mas
conheço-a pior do que à outra. É
diferente um amor de adolescência, como o que
tive pela amante de heathcliff, do que paixões
de maturidade, em que razão e emoção coexistem em pratos
iguais da balança.

(Esta emily vestia-se de
branco, enquanto que a primeira gostava de roupas
escuras. É verdade que ambas tinham relações com
presbíteros; mas admito que fossem de natureza diferente,
e que o freud não se aplique do mesmo modo
a uma ou a outra).

Sento-as, então, à mesma mesa, comigo
em frente. Digo-lhes: "Amo-vos. Tu, a inglesa,
amo-te como esse vento frio
ama os prados por onde corre, à noite, soltando
sombras e fantasmas; e a ti, a americana, amo-te
como o caruncho devora as madeiras das trevas
e dos sótãos, com o rumor surdo que percorre
os desvios da eternidade".

Ouço-as rirem-se de mim. O amor não é
isto, dizem-me. E deixo-as à conversa uma com a
outra, no seu esconderijo
de pântanos e cemitérios.

Nuno Júdice, Introdução, poemas e cartas, emily dickinson, cotovia


Emily Bronte

sábado, maio 12, 2007

até já

é sábado. já os gatos se estenderam ao sol e eu ainda não procurei a roupa seca na corda. arrasto-me em chinelos. as mãos são a principal ferida do corpo quando o coração nos dói.
pressinto a tua chave na porta. perdeste-a? os teus pés no tapete. descalças-te? afinal não te escrevi assim tantas cartas. ouves-me? hoje serás pássaro. mas nenhuma migalha te trará sossego. do lado de cá, já se esvaziam os bolsos para as tuas mãos se perderem lá dentro.

menino da lua, raio de sol, petit prince... quando encostarmos o peito e nos curarmos da saudade, diremos que o verão está próximo e nada, nem um grão de areia, nos será pesado. só o que perdemos nos pesa. e, contas feitas, nós até ganhámos.

teremos, apenas, de fugir aos retrovisores.



Manuel Alvarez-Bravo

sexta-feira, maio 11, 2007

Amor Brujo


Manuel Alvarez-Bravo


/178/

Quando não te vejo, o meu relógio "anda" sem corda; os sapatos andam trocados, de ternura (esqueço-me de os calçar bem, de manhã), não compro tabaco, eu, que fumo locomotivamente; pardais acercam-se, entram no saco de plástico e levam-me o pão. Sem ti, sou a minha estátua.
Há um friso na minha consciência - o da mitologia católica; é como uma catedral. Bem tento prender-me a ti, para salvar-me. É inútil. Há qualquer coisa que não me dá tréguas. Não posso lutar contra um inimigo que não distingo bem, na bruma.

Sebastião Alba, Albas, livro VI, Alba y yo (y los demás)

quinta-feira, maio 10, 2007

por favor, um rio

para me fazer ao caminho






az, made in china
There are things to be said. No doubt.
And in one way or another
they will be said. But to whom tell

the silences? With whom share them
now? For a moment the sky is
empty and then there was a bird.

from "There Are Things to be Said" by Cid Corman



K, elejo este como o poema do dia.E acho que faz sentido para muita gente à minha volta, inclusive para mim.

quarta-feira, maio 09, 2007


az

devolves-te
onde antes o cigarro estacionava
a melancolia das horas
solta-se agora o teu cabelo
algumas algas
alguma pele
dois ou três pontos
a lua
um sorriso

maio: eu e tu num aquário de incertezas
eu e tu

seja lá o que isso possa ser
seja lá o que isso não for

terça-feira, maio 08, 2007

acredito verdadeiramente que os peixes nascem das árvores.

segunda-feira, maio 07, 2007

guardo aviões de papel nos telhados das casas.

o que é nacional é bom


Az

Fascinam-me estas montras portuenses...

sábado, maio 05, 2007

(sem) volta



Bjork, a propósito do seu novo disco, Volta, é figura de capa e ocupa várias páginas dos suplementos culturais de vários jornais deste final de semana. Na revista Actual, do expresso, lê-se o seguinte, que considerei curioso:

" No outro dia, fui ao ginecologista e, enquanto ele me introduzia todos aqueles instrumentos, contei-lhe que ia partir em digressão pela Ásia. Aí, ele começou a oferecer-me brochuras dos melhores hotéis da Malásia. Naquela posição ridícula, dei comigo a pensar: quem é que tem a profissão mais estranha, ele ou eu?"

e

"É evidente que me interessa o que as pessoas pensam da minha música. Mas mentiria se dissesse que isso me leva a desviar um passo que seja do meu caminho. Restam-me cerca de 40 anos de vida e estou a ouvir o tiquetaque do relógio. Da música que tenho na minha cabeça, ainda não publiquei mais de dez por cento. E isso, muitas vezes, faz-me entrar em pânico. De qualquer modo, na escola, nunca pertenci ao grupo das "cheerleaders": eu era aquela que se sentava na última fila da aula com as aranhas nos bolsos."

menino da lua


Az


ele subiu à montanha. levou à boca um pedaço de azul e deteve-se lentamente no recorte das nuvens. depois, retomou o caminho. descalça, a alma pedia o conforto de outras mãos. e a cidade, longínqua, descrevia o regresso dos peregrinos. pelo caminho deixavam as portas escancaradas e os dedos curvos de se moldarem às pétalas das flores. chegaria o tempo em que o próprio caminho se faria peito adentro, no íntimo das casas, no interior dos quartos, entre as paredes de um livro, entre as folhas que cobrem as camas. a meias, lado a lado, os homens seriam profetas, sábios de qualquer segredo, fluentes em qualquer alquimia... nasceriam pássaros e flores do olhar. cresceriam árvores nas pontas dos dedos. isto foi o que pensou. mas já não era azul à sua volta. apenas a almofada, onde esperava não adormecer sozinho.

isto a propósito da tua última subida à montanha. espero-te cá em baixo. falta já tão pouco!

sexta-feira, maio 04, 2007

4as em lisboa #5

com a chuva, fui-me refugiando nas viagens de metro...







Az

quinta-feira, maio 03, 2007

Drinking songs



este álbum do matt elliot tem canções perfeitas. esta, Kursk, é uma delas. ambientes envolventes, tétricos... dão-me vontade de descalçar os sapatos ou as botas e enterrar os pés em terra molhada. não sei porquê.

Matt Elliot - Drinking songs

1. C.F. Bundy
2. Trying To Explain
3. The Guilty Party
4. Whats Wrong
5. The Kursk
6. What The Fuck Am I Doing On This Battlefield?
7. A Waste Of Blood
8. The Maid We Messed

Imperdível


Joana Linda

terça-feira, maio 01, 2007

desilude-me a página em branco
esta incapacidade de fazer nascer palavras por entre o desenho das letras
há pouco era a chuva
ou a impressão do vento na janela
e nada mais

nem já a lembrança dos teus olhos
ou do sorriso escondido atrás das mãos,
nem já a ternura,

nem já a raiva, ou a mágoa,
ou o grito

por estes dias, por dentro destas horas,
todas as palavras me resistem

ainda assim, o silêncio
ainda assim, esta mensagem que me deixaste esculpida nas mãos

Ontem foi:

About me:

A minha foto
a entropia é a minha religião. alterno a leitura da bíblia com a interpretação de mapas e mãos. bebo, preferencialmente, azul. tenho, ainda, o hábito de escrever cartas_

Sopra-me ao ouvido: