Fernando olhou o cigarro a fumegar no cinzeiro e concluiu: na verdade, não sei o que é apaixonar-me. Passei a vida a foder. Acabaram por me foder a mim. Mas nunca me apaixonei. Nem mesmo pela Joaquina. Aquela mulata com quem me encontrava todas as 4as à noite, quando morava nos arrabaldes de Lisboa. Acho que nunca foi paixão. Era medo que o marido dela descobrisse e viesse atrás de mim para me dar um tiro nos cornos. Aquela malta resolve os problemas sempre aos tiros. Ah, e depois da Joaquina ainda veio a Antónia, que nem sequer foi depois. Houve um tempo em que corria de uma pensão para a outra a meio da noite. E depois comecei a viajar e aí, aí é que era! Uma colecção de Joaquinas e de Antónias. Algumas nem nunca lhes provei o travo do nome. O que eu queria era deixá-las despenteadas de desejo para o resto dos dias. Mas, quer dizer, depois também é triste. Chegar ao fim e não ter nada. Nem os filhos que fui fazendo os conheço. É triste, não é? Não vou estar com mais merdas. O que eu quero mesmo agora é puxar o gatilho desta merda e rebentar os miolos.
Fernando Silva, estava escrito, havia de morrer sem uma paixão a afoguear-lhe o peito. B.I. amachucado no bolso. Solteiro. Orfão de qualquer parentesco. Tamanho do pénis acima da média nacional. Olhos de quem quer devorar quartos de pensões rascas. E ninguém para pagar as despesas do funeral. Ainda lhe haviam de roubar do corpo moribundo o fio de ouro enrolado ao pescoço. Oferta de não se sabe quem. Com a medalha mordida vezes sem conta de cada vez que se vinha em cima de uma qualquer gaja.
"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro
quinta-feira, março 08, 2007
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1 comentário:
Gostei do devaneio. Um registo diferente, mas interessante!
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