"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro

domingo, março 30, 2008


Saul Leiter, foot on El,1954

há-de chegar abril por entre os dentes e esconder-nos-emos a tecer
o trigo, as flores das laranjeiras, o alecrim

a medir a altura dos girassóis na planície a sul dos ombros

inventam-se novas estações

a camisa amarrotada na revolta dos telhados
o piano a imitar o descompasso da chuva

queria barcos a nascer dos ramos dos corpos e selar a água dos lábios
sem ferir nenhuma linha de pele
o céu a parir cinza e fogo e as pedras a rolarem contra as paredes do coração
esfaimado

um revólver uma pulseira uma pétala uma caneta suspensa dos pulsos
uma floresta de mapas a confundir a geografia das mãos
a imunidade das bocas

digo-te há papoilas a escorrerem dos livros
façamos um chá

há noites que são noites mas não escurecem

e agora que penso nisso
e abril não tarda
talvez volte a rezar antes de ir dormir

sábado, março 29, 2008

Instantes...

*O meu gato é tão lindo que se enrosca nos meus braços e adormece comigo debaixo dos lençóis, enquanto a gata me aquece os pés.

*Depois de um "estás a ficar gorda" ainda na memória, o meu irmão presenteia-me com um "estás bonita hoje".

*O "pulsar" dos Danças Ocultas é dos melhores discos que me esqueço de ouvir com regularidade.

*Deixo uma réstia de cigarro a arder na calçada e segundos depois alguém o leva por entre os dedos.

*Emociona-me abraçar alguém que não vejo há anos.

*Sinto que a esplanada amarela da minha faculdade se mudou para o Porto neste fim-de-semana. Pena que algumas mesas tenham ficado vazias.

*A minha ressaca é não escrever um poema há semanas.

*Ciao

Saul Leiter

peço-te "leva-me pela mão
numa viagem ao epicentro da luz"

o peso do meu corpo sobre o solo
revela pedras de marfim
sob a poeira dos séculos

percorro as margens
eternamente frágeis
de uma cicatriz entreaberta

consumindo-me no fogo que
aflora a epiderme fria.

rui amaral mendes, do fundo do silêncio, cosmorama

quarta-feira, março 26, 2008


julião sarmento

Convence-me que a nudez
é o silêncio que procuro na poesia:

só assim me poderás tocar.

Sandra Costa

terça-feira, março 25, 2008

Próximas emoções

A viagem do balão vermelho



Três tempos




Concordo com o que A.O.Scott escreve no The New York Times:

É para isto que o cinema existe...Para criar um efeito emocional e sensual...Como apaixonar-se. Ou talvez fazer amor.

Quando me sento numa sala de cinema é para me emocionar



O filme de Nadine Labaki é perfeito. As doses certas de açúcar e a intensidade de suficiente para não queimar.

Em lume brando:




Sem derrreter em demasia:




Caramel: Site oficial
há coisas que quando se dizem transformam-se no seu contrário. por exemplo:


não me posso demorar.

ode à câmara municipal do porto

esta internet não é minha. passem-me multa, por favor. com todas as agravantes e mais algumas. escrevam arguida as vezes que bem entenderem. refiram os artigos e as contra-ordenações infringidos. o raio que os parta! e o diabo a quatro!
vão para o caralho mais velho!


Que eu não pago!

Me, Myself and I: quelques remarques biographiques

São quase onze e meia da noite e tocam à campainha. Eu, pés frios, pijama vestido, óculos a auxiliar a visão, recuso o convite para um passeio nocturno. É segunda-feira à noite. Não trabalho fora de casa. Estou recolhida a um canto na mesa da sala, a ler as teorias de Ulrich Beck sobre a modernidade reflexiva*. Os gatos esfregam-se no sofá, sonolentos. Enroscam-se pêlo contra pêlo. Do outro lado da janela desfila a voz da menina de sapatos vermelhos. E a campainha toca. Levanto-me a pensar na vizinha do andar debaixo. Desde que se me entupiu a banheira e água lhe pingou do tecto penso sempre que é a vizinha debaixo a tocar à campainha. Mas não é. Estabeleço uma conversa quase telefónica pelo intercomunicador. Quase cedo. Mas está frio. Quase cedo. Mas é tarde. Quase cedo. Mas preciso ler, ler, ler. Quase cedo. Mas o outro lado desiste de querer que eu ceda.
Regresso ao meu canto na casa. Regresso à Ana cumpridora de todas as regras que ainda nem sequer foram inventadas. À Ana enleada em leituras. À Ana um nome na pauta. Penso se calhar devia ter ido. Se fosse pensaria se calhar devia ter ficado. E recordo-me de alguém, um dia, depois de alguns anos sem me ver, me ter dito num encontro ocasional em Lisboa Para a próxima que cá vieres telefona-me para combinarmos um café. Gostava de estar contigo. Estás diferente. Alguém, um dia, enganou-se. Eu não estou diferente. E mesmo se estivesse isso não era coisa que se fizesse notar à vista desarmada, pelos piercings, ou pela forma de vestir, ou pelo cigarro pousado junto à mão.
É nestas pequeninas coisas. Nestas indecisões quando nos surpreendem na campainha quase às onze e meia da noite. Neste acomodar do rabo à cadeira. Neste fixar de olhos nas teorias de Ulrich Beck and friends. Neste medo de não ser capaz que revolve as tripas. Neste conforto do pijama e das pantufas. Neste estar só com gente à volta. É nestas pequeninas coisas, dizia eu, que continuo a ser o que sempre fui. E quem me conhece segue caminho noite dentro. Mas há-de voltar.
Agora também já sei que nem só da vizinha debaixo vive o toque da minha campainha. E numa destas noites levantarei o rabo da cadeira e, mesmo de pijama, sairei para a noite da rua.


Nota para as visitas mais ou menos nocturnas: as conversas pelo meu intercomunicador estão audivelmente ao alcance de qualquer outro ouvido alheio da vizinhança.


*a sociedade torna-se reflexiva, o que quer dizer que se torna um tema e um problema para si mesma
Ulrich Beck et all, modernização reflexiva

segunda-feira, março 24, 2008

A minha páscoa foi uma natureza morta






as relações (re)fazem-se e desfazem-se nas margens de um rio.
as mãos, incapazes de conter a força das águas.
os corpos são pedras. vão ao fundo.



Still life.Natureza Morta.Com Tao Zhao, Sanming Han, Zhubin Li, Hong Wei Wang, Haiyu Xiang, Lin Zhou.
Argumento Jia Zhang-Ke. Fotografia Nelson Yu Lik-wai.Música Original Giong Lim | China.2006


ler+

domingo, março 23, 2008


joana linda, campânula

por isso, quando o amor morre não é o coração que nos adoece.
são as mãos que definham. encolhem-se de gestos.anulam-se no corpo.

em vez de dedos, passamos a afiar lâminas na superfície da pele.

quinta-feira, março 20, 2008

" A vida é rápida nestes posts." Escreve-me um anónimo como comentário a um post anterior. Atenção: a vida é rápida. Estes posts desaceleram-na. Fazem disparar sinais vermelhos e stops. Propagam pela via láctea alertas amarelos de concessão de prioridade. A vida é rápida. Reparo que ainda ontem pensava ter todo o tempo do mundo para uma série de coisas que já me aconteceram e para outras tantas que sei que nunca me acontecerão. A vida é rápida. Obriga-nos a decidir hoje sobre ontem. Amanhã nunca é o futuro mas o momento que agora nos escapa debaixo dos pés.

Quem me dera que a vida fosse apenas rápida nestes posts.

quarta-feira, março 19, 2008


ricardo yamamoto


o que hoje se sabe, o que amanhã se esquece -
o amor não é coisa que nos dure nos lábios
mas nas mãos

terça-feira, março 18, 2008

Amy Macdonald: This is the life



príncipe vamos dançar e o resto que se lixe???

e sabes que mais? esta menina tem a tua idade.e é do teu signo.


(This is the life: variante de isto é o que hoje é)

ana c.

da distância encarrega-se a geografia. o poema repete apenas o compasso da espera.

quarta-feira, março 12, 2008

agora sei. há bolsos vazios no meu corpo
quando se demoram longe de mim as tuas mãos.

terça-feira, março 11, 2008

[inventário sem sentido para criar uma infância comum]


Marcelo Reis

acordar no bolso esquerdo da casa
com uma pergunta dentro do aquário

porque cada pássaro acende uma manhã
surpreender a mesa no fundo do copo

bater a porta da rua com a pronúncia dos espelhos:
"se te digo que voo não me arranques os pés
de entre as nuvens!"

procurar um contador de histórias
porque era uma vez um cordão desapertado

e não ter medo de não encontrar o fim

não ter medo.

Sandra Costa

domingo, março 09, 2008

(...)

Mas eu vi a construção de uma ponte. Eu vi o sal e a buganvília. Eu vi a rebentação e eu vi um homem silencioso. Eu vi que isso era bom. Eu vi que isso era desolado e vivo. Eu vi que podia ser março.
...

Vasco Gato


Sabine Hornig

Cadeia da relação

Serralves. Júlio Pomar. A arte de guardar fragmentos.
Apeteceu-me esvaziar os bolsos e as gavetas e fazer arte.
Dos meus preferidos, as descrições.



Retrato do autor como artista da pena, 2002

Pastel, carvão e giz sobre papel colado sobre tela com maçã de plástico,
pena, relógio, despertador com corrente.


As navegações de Ulisses, 1997-2004

barro cozido,penas, madeira, espelho, fragmentos de osso, plástico,
pedra, ferro, corda, bandeira de tecido sintético sobre madeira.

Arca de Noé, 2003

Tinta acrílica, carvão e pastel sobre tela com urso sobre faca de cozinha e crocodilo de plástico sobre madeira, borboleta, canivete, papagaio de madeira, pássaro de madeira e pena de madeira, boneco de plástico e arame.

A expulsão do Paraíso, 2000-02

Tinta acrílica e pastel de óleo sobre tela com cobra de borracha, maçã de cerâmica, espelho com moldura, bouquet de casamento e botão.

Retrato de Júlio Pomar por Joaquim Pires de Lima e continuado por aquele, 2007

Assemblage: animais de borracha, peluches, brinquedos de plástico, flores artificiais, miniatura de um quarto de madeira, mecanismo eléctrico, pneu de borracha, relógio, cortiça, espelho, régua, tesoura, colagens de fotografias, metal, quadro em tinta acrílica sobre cesto de verga.

sábado, março 08, 2008


Julião Sarmento

as fotografias devolvem-se.
mas e as mãos?

sexta-feira, março 07, 2008

enganam-se as magnólias. o inverno ainda não me escapou das mãos. resiste-me. assim como as sombras no dealbar da tarde.



luis duarte


afastem-se, por favor.
apetece-me vomitar a tarde sobre os meus próprios pés.
mas a culpa é dos cigarros. agora que deixei de fumar, enjoam-me.
O homem da casa dos livros. Conheci-o hoje. Tinha olhos de mar. Uma “risca de mar ao fundo da rua*” de estantes. Os olhos. Vem e debruça-te no parapeito. Vê. Uma casa forrada a livros. Arrepia, não é? Até a pele fica a cheirar a livros. Cheira a livros a roupa. As mãos que viajam página a página. Cheira a livros. As lombadas envelhecidas. Os títulos gastos. A boca cosida a palavras. E a música dos corredores. Os discos antigos. Os objectos antigos. Raridades. Dá medo tocar. Eu quis ser um livro naquelas estantes. Eu quis que alguém tocasse à campainha, entrasse e me levasse para dentro da sua roupa, me guardasse próximo do respirar da pele. Eu quis que não me morressem tantas palavras na boca como as que me têm morrido por estes dias. Eu quis saber dizer para que ficasse, assim, gravado a tinta de máquina de escrever, dactilografado, numa página antiga, amarelecida. Eu quis. Tantos livros. E tantas palavras que desconhecemos como se pronunciam.
Por exemplo, adeus.

*al berto

quinta-feira, março 06, 2008

walking around*



Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem.

(...)
*Pablo Neruda

foto:
luis duarte

terça-feira, março 04, 2008

anita, oui c'est moi!


ana c.

o meu petit prince viu. não resistiu. e eu como boa filha de deus não fui mal agradecida.


ana c.


agora, ando por aí. e não me importo nada que me chamem anita.

segunda-feira, março 03, 2008




numa noite forrada a nevoeiro, Lou Rhodes não foi o anjo que se julgava ser.mas, ainda assim, teve asas.

Broken I find your clothes
And dress myself in them


Lou Rhodes, they say

Ontem foi:

About me:

A minha foto
a entropia é a minha religião. alterno a leitura da bíblia com a interpretação de mapas e mãos. bebo, preferencialmente, azul. tenho, ainda, o hábito de escrever cartas_

Sopra-me ao ouvido: