"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro

domingo, dezembro 30, 2007

mas basta-me um quadrado de sossego*



todos os relógios do mundo poderiam parar agora
mas a verdade é só uma:

não se chega se primeiro não se tiver partido.






poema: Ana C.
título: *Daniel Faria
FOTO: Fernando Lemos




CHEGUEM BEM A 2008.

sábado, dezembro 29, 2007

No More Affairs*

quando acordei tinha o vinco que te deixei na t-shirt estampado numa das minhas faces.

acho que dormi para o lado esquerdo.
acho que dormi para o lado errado.


Hannah Villiger



*Tindersticks

quinta-feira, dezembro 27, 2007

eyes wide shut. where the rainbow ends.

não há como recuar o corpo depois do abraço
não há
do inatingível não nos fica remorso
nem curamos a ferida
nem vencemos a perda

tudo se adia


eu não quero pertencer ao tempo
dos corações adiados




- Grateful...
...that we've managed to
survive through all of our...
...adventures...
...whether they were real...
...or only a dream.

- Are you sure of that?

-Am I sure?
Only as sure as I am...
...that the reality of one night...
...let alone that of a whole lifetime...
...can ever be the whole truth.
And no dream is ever...
...just a dream.
The important thing is...
...we're awake now...
...and hopefully...
...for a long time to come.

-Forever.

-Forever?

-Forever.

-Let's not use that word. You know?
It frightens me.
But I do love you...
...and you know...
...there is something very important...
...that we need
to do as soon as possible.

- What's that?

-Fuck.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Odete: It'll end in tears

A determinada altura, lembro-me de ter ficado colada à cadeira da sala de cinema do Teatro do Campo Alegre, durante a exibição do filme Odete, de João Pedro Rodrigues. Não que se passasse no ecrã uma cena mais estupidamente bem conseguida mas porque, por entre as imagens, sobressaía uma voz a cantar Kangaroo, que eu conhecia de um disco dos This Mortal Coil, com interpretação de Gordon Sharp. Aquela versão - viria depois a saber que se tratava do original - tinha qualquer coisa de muito, muito especial. Como era possível? Não voltei a ver o filme. Não voltei a ouvir o original de Alex Chilton dos Big Star. Mais tarde, descobri a versão de Jef Buckley. Este homem era capaz de cantar qualquer coisa ainda que esta qualquer coisa fosse muito, muito boa. Na sua voz soaria sempre bem, senão mesmo melhor.
Há pouco, há uns dias, ou há umas semanas, a propósito de outra canção, igualmente marcante da discografia dos This Mortal Coil, song to the siren, original de Tim Buckley, veio-me esta vontade de rever sons e imagens.


O trailer do filme




A banda sonora do filme


* 1. BANJO MOON (letra de Greg Brown), interpretação de Greg Brown
* 2. MOON RIVER (Johnny Mercer e Henry Mancini), de Il Carlo
* 3. SUMMER (Olivier Bombarda), de Olivier Bombarda
* 4. BOTH SIDES NOW (Joni Mitchell), de Andy Williams
* 5. NEVER MY LOVE (Don and Dick Addisi), de Bert Kaempfert
* 6. HAPPINESS (Bill Anderson), de Ken Dodd
* 7. SONG OF THE BLACK SWAN (Heitor Villa-Lobos), de Pink Martini
* 8. SMELLS LIKE TEEN SPIRIT (Kurt Cobain, Dave Grohl, Krist Novoselic), de Scala
* 9. LADY (Bert Kaempfert, Herbert Rehbein, Charles Singleton e Larry Kusik), de Jack Jones
* 10. M. DUPOND (Stefano Ghittoni e Cesare Malfatti), de The Dining Rooms
* 11. KANGAROO (Alex Chilton), de Big Star
* 12. HAVE MERCY ON ME (Johann Sebastian Bach), de Ekseption
* 13. CHAMPAGNE, COCAINE AND NICOTINE STAINS (Del Rio, Grenas, Lunch), de Lydia Lunch with The Anubian Lights
* 14. BROKEN BELL (Graham Reynolds), de Friends of Dean Martinez
* 15. MOON RIVER (Johnny Mercer e Henry Mancini), de Henry Mancini and his orchestra
* 16. A PERFECT SONNET (Conor Oberst), de Bright Eyes
* 17. SITTING (Anthony Gonzales e Nicolas Fromageau), de M83
* 18. NINE LIVES (Paul Varjak), de Paul Varjak

O vídeo dos This Mortal Coil




A letra de Kangaroo

I first saw you.
You had on blue jeans.
Your eyes couldn't hide anything.
I saw you breathing.
And I saw you staring out in space.
I next saw you, you was at a party.
Though you was a queen, oh so flirty.
I cam against.
Didn't say excuse.
You knew what I was doing.
We looked very fine 'cause we were leaving.
Like Saint Joan, doing a cool, cool, jerk.
Oh I want you, Oh I want you...
Like a kangaroo...

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Postal de Natal IV (último)

Não gosto do cheiro a fritos. Não gosto de bacalhau cozido. Não gosto de bolo-rei. Não gosto das vizinhas cuscas que espreitam a minha partida e a minha chegada. Não gosto das mensagens de natal a caírem no telemóvel. Não gosto de não poder ter perto todas as pessoas que gostava de ter perto.
Gosto dos meus gatos misturados com o meu natal. Gosto dos bolos decorados com nozes e pinhões. Gosto de ver desembrulhar as prendas que ofereço. Gosto dos doces que a minha mãe faz. Gosto do jantar em família - somos poucos mas bons! Gosto da lembrança de outros natais, de outros cheiros,de outras texturas. Gosto.

Quando for, que seja um bom natal.

domingo, dezembro 23, 2007

"What uniform can I wear to hide my heavy heart."

Belle and Sebastian - Is it wicked not to care?




Is it wicked not to care when they say that you're mistaken
Thinking hopes and lots of dreams that aren't there?
Is it wicked not to care when you've wasted many hours
Talking endlessly to anyone that's there?
I know the truth awaits me
But still I hesitate because of fear

Skipping tickets making rhymes
Is that all that you believe in?
Wearing rags to make you pretty by design
Rusting armour for effect
It's not fun to watch the rust grow
For it will all be over when you're dead

Counting acts and clutching thoughts
By the river where the moss grows
Over rocks the water running all the time
Is it wicked when you smile Even though you feel like crying
Even though you could be sick at any time?

But if there was a sequel
Would you love me as an equal?
Would you love me till I'm dead


If there was a sequel Would you love me like an equal?
Would you love me till I'm dead
And if there was a sequel
Would you love me as an equal?
Would you love me till I'm dead
Or is there someone else instead?

Teresa Sá

NÃO ENCONTRO AS MINHAS LUVAS.

SE AS PERDI NO FRIO DAS TUAS MÃOS,
POR FAVOR, NÃO MAS DEVOLVAS.

Postal de Natal III

ainda não é natal. O natal é só quando O Homem quiser.

sábado, dezembro 22, 2007

orientação nocturna


salvador dali

A minha cabeça deitada para o sul
os meus pés para o norte
desde que parti
sempre os meus pés para o norte
para ti.
O meu corpo
no sono uma agulha magnética
que procura o seu norte.

hilde domin, estende a mão ao milagre

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Unwind, The Walkabouts



You're an open gate
On a barbed wire fence
Swingin' back and forth
You know it scares me half to death
Funny how it moved
From a blessin' to a curse
Ain't it funny how we moved
From the cursed, to the doomed

Will you
Will you unwind
This heart of mine?
Heart of mine

Busted but not broke
Shaken up and stirred
Watch out who you tell
This night is hangin' on each word
But when the mornin' comes
And the lies are cheap
You'll say: "to live is to lose"
I'll say: "losin's the one thing... that we all keep"

Will you... will you unwind?
This heart of mine... heart of mine

Both a blessin' and a curse
In everything we've heard
A blessin' and a curse
This night is hangin' on... each... word


a "amostra" de vídeo é mero pretexto para ouvir a canção.

postal de natal II

nunca tive muito jeito para embrulhos.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

postal de natal I


mafmartins

em redor do corpo, as mãos incendiárias derretem o Inverno.
o mundo resume-se a um corpo curvado sobre o vazio. não há terra onde esgravatar raízes. apenas pele.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

mais vale prevenir do que remediar, deve ser o lema de quem me ofereceu como prenda de natal um corte de cabelo. não fora isso, repetia o gesto da tesoura entre os dedos para alinhar pontas e desacertar ideias.
não há palavra que me comova a ponta dos dedos.

este inverno sou eu a debater-me contra a tinta seca das canetas que vou acumulando no resto do ano.
Acho que estou a ganhar hábitos de linguagem nortenhos. Hoje consegui dizer três palavrões numa mesma frase.

domingo, dezembro 16, 2007

another silly sunday

Estou indecisa. Não sei se hei-de falar das gaivotas que hoje chegam com frequência às ruas da cidade, se do frio que me entra pela carne adentro e dói devagarinho no corpo, se dos homens e mulheres vestidos de pai natal que se confundem pelas ruas, se do gato que dorme de língua de fora e olhos semi-abertos, se do Peter Murphy e o seu poema preferido da Marlene Dietrich... se do Natal. "O Natal é o dia em que as pessoas obram mais", disseram-me hoje. E eu fiquei francamente mais feliz por este dado estatístico me ter sido trazido, assim, num domingo à tarde em que descubro o rock de Band of Horses mas tenho a cabeça no Deep do Murphy, e no filme que hoje não vou ver porque também já tenho saudades de rir com as pessoas com quem trabalho, sem fazer disso "trabalho". Porque é Natal. "O Natal nunca mais acaba", diziam-me hoje também. E tenho dormido pouco. E, por isso, estou indecisa. E, por isso, tenho ainda mais frio. E, por isso, nem dou conta que é Natal. E, por isso, não sei o que dizer.

Apetece-me enviar postais de natal idiotas.

sábado, dezembro 15, 2007

palavra preferida I

arranha-céus

também podia ser nome de pássaro.ficava-lhe bem.
ALGUMAS VEZES ME APAIXONEI, MAS CONFESSO, NEM SEMPRE
PUDE SUPORTAR ESSA SOLIDÃO

FRANCISCO JOSÉ VIEGAS



sexta-feira, dezembro 14, 2007

something to believe in

A poesia de Francisco José Viegas tem sido meu companheiro de almofada nas últimas noites. À luz ténue das minhas madrugadas insólitas, rondam-me os versos de geografias e paisagens dedilhadas entre o medo do inverno e outra substância qualquer que o coração invoca. Um grito, um lamento, um desejo, um sorriso... Depois de tudo, há o silêncio a marcar a página onde os olhos pararam de sono. E pressente-se o dia, daí a quase nada.




O contrário

é um jogo sem consequências: trocas a ordem
das coisas: o amor fere, a verdade ignora
o corpo do mundo, a companhia só se breve.

com isso se é feliz, se aprende.


©ANA

Sombras

1.
a ti recordo a todas as horas do tempo,
e isso é a alegria única, a que não morre nem aguarda,
e por ela escondo as luzes da cidade, e entendo que existe
um movimento permanente sob o céu,

reconheço o nome das espécies, invento aquilo que há-de vir,
aquilo que te ofereço, o que se encontra nu sobre a noite,
inclino-me sobre os teus passos a todas as horas do tempo,
confio nos calendários que se aproximam,
espalho faróis sobre os mapas.

se me afasto de ti, deixo-te o coração,
levo o teu em troca.

Francisco José Viegas, O medo do inverno seguido de poemas irlandeses

quarta-feira, dezembro 12, 2007

*
*
*
*




.por defeito ou feitio.
pouco tenho a dizer que não tenha já dito.
repito-me em banalidades.
sim, já ouviste isto. sim, já to disse.
quantas vezes? quantas vezes mais vou achar que o não disse?
desculpa. o meu vocabulário é reduzido. circular.
já experimentei o silêncio. mas não tenho muito jeito.
só quando deito os olhos nos bancos de igreja.
e fico a passear os dedos por todos os corpos ausentes.
confesso-me às flores. arranco-lhes as pétalas.
sou culpada por tudo o que não fiz.confesso que sim.
até agora nada de novo.
gosto de mãos que despenteiam sem ruído.
eu era o que ainda não sou.
mas, apesar de tudo, não minto.


©nelson d'aires

segunda-feira, dezembro 10, 2007

suplício de tântalo

de nada te servirá pintar nuvens de azul.
conheço bem as virtudes de um céu cinzento.

hesito.

as mãos sem fundo.

esvaziam-se os mares.

imploro chuva
ou isso ou o desacerto da tesoura sobre o cabelo

[esqueci-me da fotografia


©ana c.+k

cadáver esquisito

Tradição inaugurada pelos surrealistas,nomeadamente Cesariny, o cadáver-esquisito vai ter lugar nas noites da maria vai com as outras. Todas as quintas feiras pares do mês. A primeira noite será na quinta-feira dia 10 de Janeiro de 2008.
Estes foram os resultados do ensaio geral privado, com elevado patrocínio de uma açorda alentejana! Já para não falar da boa ginginha caseira :-p




©ana (autores: ana c., ka,misskate,m.)

domingo, dezembro 09, 2007

há lugares aqui. no deserto.
porque ninguém ainda inventou instrumentos como a bússola
ou os mapas ou as estrelas.
rezo com as mãos.
nem todos os corpos caem à mesma velocidade
e desconhecem-se os efeitos da queda.

sobrevive-se porque os mares ainda tombam dos céus.
e as portas também abrem do avesso.
sobrevive-se porque se ignoram os lamentos das árvores.

[não consigo derreter relógios.


paulo pimenta

sábado, dezembro 08, 2007

In a manner of speaking


©ana, aula magna

Não há muito a dizer quando se compram bilhetes para se assistir a um concerto e afinal sai-se de lá com a voz da vizinha da fila de cima no ouvido. Isto já é suficientemente mau. Mas, para além disso, Nouvelle Vague transformou-se, constatei eu, num fenómeno tão popular que o histerismo do público do concerto, à mistura com o da própria banda, talvez também pelo facto de haver uma gravação de cd/dvd a decorrer, minaram as minhas expectativas. Insatisfeita foi com algum cinismo que sorri à canção escolhida para fechar a noite: "I just can't get enough".
Continuo a gostar do trabalho dos Nouvelle Vague. E esta noite também teve os seus belos momentos - como um público espontaneamente a chamar a banda para encore repetindo "love will tear us apart" e, mais ainda, a cumplicidade de uma voz feminina e de um contrabaixo no lamento de "In a manner of Speaking". Mas nem aqui o silêncio foi absoluto, nem aqui deixei de ter vontade de esticar a mão para atingir alguém na face.

E este senhor


pode ter uma voz bonita e forte, mas não precisava de ser tão exibicionista para se fazer notar.

Eu desconfiei no momento em que as meninas cantaram "Too drunk to fuck", espojando-se no chão do palco, incitando o público a levantar-se, dançar e bater palmas, e oferecendo nos entretantos, uma bebida qualquer, que o rumo do concerto não fosse o desejado para mim. Não que fizesse intenções de permanecer amarrada à cadeira durante todo o concerto mas também não esperava que o público fosse transformar o ambiente da Aula Magna no relvado de um qualquer festival de verão. Para isso, nem faltou a garrafa de vinho debaixo do braço - mais uma vez, a vizinha da fila de cima como protagonista.

Tão cedo não irei a um concerto. Preciso de tempo para esquecer este.


Give me the words
That tell me nothing

sexta-feira, dezembro 07, 2007

tira a teima

Ontem, na Aula Magna, os Clã entraram de GTi e passadas cerca de 2 horas de concerto, deixaram o público com energia para um Dakar. Já muito tinha ouvido dizer sobre as actuações dos Clã e ontem pude constatar como nada, mas mesmo nada, é exagero de fã número um. Na verdade, os Clã são uma grande banda. Todos os elementos do grupo sabem muito bem o que fazem em palco, o que não querem fazer e por onde pretendem levar o público. Ontem, à terceira canção, já havia pessoas levantadas das cadeiras a dançarem energeticamente, seguindo o espírito da Manuela Azevedo. Nem consigo comentar o que esta mulher é em palco.
Ora num registo mais rock, ora num registo mais acústico, o concerto foi perfeito. Nem faltaram aqueles momentos especiais, aqueles que se recordam mais tarde, como os aviõezinhos de papel atirados para a plateia, num dos gestos mais poéticos da noite. No dorso do avião, a letra da canção que fala sobre a separação entre dois amantes.
Não faltaram as míticas Sopro do coração e Problema de expressão. Mas o momento alto da noite, para mim, foi aquele em que Manuela Azevedo anunciou que ia cantar algo que não era muito habitual ser tocado ao vivo, mas que tinha sido muito bonito no primeiro concerto dos Clã na Aula Magna. E abriu-se a porta a Loja de porcelanas. A música preferida de Manuela do álbum Kazoo. Talvez a minha música preferida dos Clã.

Foi uma noite perfeita. Chegámos no limite das 22h00 mas conseguimos um bom lugar. Dançámos, cantámos, e no final ainda pedimos mais, mesmo depois de dois regressos ao palco. A Aula Magna é uma sala mágica. Não há coliseu que lhe faça sombra.


loja de porcelanas

O que fazia um elefante
na tua loja de porcelanas
sei que não me vais dizer

foi por ele que tu me trocaste
e eu nunca soube porquê
nem nunca virei a saber

às vezes a beleza dói
quando o olhar reflecte
o que o coração inventou

o que fazia um elefante
na tua loja de porcelanas
sei que não me vais dizer

entrou e saiu pela frente
deixou tudo em pantanas
e tu voltaste a sofrer

e quando o ideal cai
tudo aquilo que promete
nunca acontece

...

Pois é

quinta-feira, dezembro 06, 2007

The bird of music


ana, lisboa, santiago alquimista

Depois do que aqui e aqui se escreveu sobre as Au Revoir Simone e o concerto em Braga, não me fica grande coisa para dizer sobre as meninas nova iorquinas e o seu concerto em Lisboa, no Santiago Alquimista. Ainda assim, arrisco. E arrisco até numa perspectiva diferente. Por que não?

A alma abandona-se. Os primeiros acordes de guitarra, a voz melancólica e entra-se depressa na noite. Até há nevoeiro, até faz frio, parece já Inverno e não crescem flores por entre o asfalto húmido. Era assim que podia começar. Mas em vez das Au Revoir Simone teria de falar de outra banda qualquer.

O Santiago Alquimista é uma sala interessante. As madeiras e as paredes em pedra, a luz, a varanda a contornar o espaço dos concertos, as escadas para a plateia, reduzida, de lugares em pé... as pessoas sentadas em redor da varanda, em lugares reservados, as pessoas sentadas na berma do palco, as pessoas a acomodaram-se em pé, primeiro dispersas, depois um amontoado já irrespirável, sem deixar grande visibilidade para os três teclados alinhados, e mais tarde para as três raparigas de cândida figura. Sem espaço para os movimentos que os bits das canções vão pedindo aos corpos.
As Au Revoir Simone são duas loiras e uma morena. São duas mais contidas e uma mais despachada que até entorna a água enquanto faz os seus passos de dança e se mete com a rapariga da primeira fila que sabia de cor as letras de todas as canções. A morena, nitidamente adoentada, entrou de cabelo apanhado, de cachecol envolto ao pescoço, de casaco de lã e mitenes. Senti-me identificada. As Au Revoir Simone também se constipam. São humanas. Apesar das personagens imaculadas, há muito pouco de angelical nelas. Diria antes uma perversidade disfarçada. Mal disfarçada.
Nem toda a música que se faz no mundo tem que ser chagas e sangue e esgares de dor. Nem todas as mulheres têm que transportar na voz uma melancolia outono-inverno e uma expressão lânguida. Eu preferia ter assistido a tudo isto. Eu preferia ter tido à minha frente a Beth Gibbons no seu cavalo negro. Mas isso seria outra história.
Vislumbro nas Au Revoir Simone alguns pedaços de coração condoídos. Mas tudo isso é transmitido com enorme leveza e extrema candura. E é por isso que elas passam a imagem de se passearem despreocupadamente de braços abertos ao sol, de sorrisos feitos flores, talvez amores-perfeitos, de brisa nos cabelos.
No fundo, no fundo, elas deitaram a cabeça na almofada, tiveram um sonho, onde havia clareiras, cantos harmoniosos de pássaros, rios cristalinos...ou seja,viram-se no paraíso e souberam que, ainda que as histórias possam ser labirínticas, há espaço para finais felizes. Ainda que o sorriso possa ser efémero, se não levantarem a cabeça da almofada, se não acordarem do sonho, não precisam de chorar por isso. Nos sonhos tudo é possível. E elas conseguem habitar o sonho. Pelo menos, ali, à nossa frente. Não há nada de errado nisso. E talvez não pareça mas elas queiram mesmo fazer-nos acreditar apenas nisso, ao menos por umas horas.

As Au Revoir Simone foram iguais a elas próprias. Nós é que somos diferentes delas.



E estive muito bem acompanhada no concerto. E isso foi o mais importante.

Au Revoir...Simone!
Let's go to a place called Clã!

terça-feira, dezembro 04, 2007

Dezembro parece ser a minha época preferida para concertos. Já no ano passado o foi. Na altura Stuart A. Staples e Cat Power ficaram-me a dançar por entre os dedos frios, em proporções de calor muito diferentes. Um foi lume. Outro foi uma combustão demasiado lenta. Acredito que possa vir a sentir a mesma diferença de temperatura nas três noites que se seguem.


Au Revoir Simone, dia 5 de dezembro, Santiago Alquimista



Clã, 6 de dezembro, Aula Magna



Nouvelle Vague, 7 de dezembro, Aula Magna



Mas falta-me qualquer coisa mais intimista, mais secretamente sussurrada ao ouvido.

nevoeiro na cidade: de dentro para fora, de fora para dentro

inevitável não escorregar pela noite dentro como se braços se dependurassem do tecto denso da cidade e amparassem qualquer possibilidade de queda.o abismo, sempre tão perto.em redor.


©ana, porto, 1 de dez.07(por telemóvel)


em vez de me puxares para fora, guarda-me dentro.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

pelos vistos, a minha costela alentejana evidencia-se-me na pronúncia quando estou constipada. foi o que me disseram. eu não acreditei. acho que é mais um "mito urbano", como diria um amigo meu.

this is...80's

Na verdade, não consigo pensar numa noite de anos 80 sem que me apeteça ouvir alguns hits dos tops da altura. Pop/Rock alternativo, indie rock e chavões do género, sim senhora, nada contra, tudo a favor. Mas, fogo, e o Nikita do Elton John? Ou o Lady in red do Chris de Burgh? E o Thriller do Michael Jackson? Já para não falar do Take on me dos A-ha, do Chiclete dos Táxi, do 40 graus à sombra dos Radar Khadafi, do Contentores dos Xutos...do Pó de arroz do Carlos Paião , do No dia em que o rei fez anos do José Cid.. do Estou além do Variações, do Bem bom das Doce, and so on...
Hei-de vingar-me numa destas noites como dj! Tomem lá!




E esta também não poderia faltar. Nem por acaso!

domingo, dezembro 02, 2007

terceira mão

No programa da Paula Moura Pinheiro, da 2, Mário Soares diz que comprou o andar por cima do que habita para ocupá-lo com livros. Mas não é a única casa que possui só com livros.

Isto dito numa noite em que tenho, finalmente, tempo para estar a ver televisão no sofá, depois de ter, durante a tarde, apesar do estado meio febril, procurado uma alternativa para voltar a acomodar os meus livros na minha desengonçada estante que já passou por 3 ou quatro casas diferentes...provoca-me um certo mal-estar de inveja.


Afinal é bom ser-se burguês.

sábado, dezembro 01, 2007

Primeiro dia do último mês. Não sei quem chamou este nevoeiro todo à rua. Mas a mistura de luzes de natal, semáforos, árvores desagasalhadas,cheiro a lenha queimada, janelas embaciadas e mãos frias é o melhor embrulho que se pode ter num presente de natal.

Ontem foi:

About me:

A minha foto
a entropia é a minha religião. alterno a leitura da bíblia com a interpretação de mapas e mãos. bebo, preferencialmente, azul. tenho, ainda, o hábito de escrever cartas_

Sopra-me ao ouvido: