"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

I dream my fire is high




Lisa Germano - Sand
OP8 - Slush
1997


Young woman, share your fire with me
My heart is cold, my soul is free
I am a stranger in your land
A wandering man, call me sand

Oh sir, my fire is very small
It will not warm thy heart at all

But thee may take me by the hand
Hold me, and i'll call thee sand

Young woman, share your fire with me
My heart is cold, my soul is free
I am a stranger in your land
Wandering, call me sand

At night when stars light up my sky
Oh sir, i dream my fire is high
Oh, taste these lips sir if you can
Wandering man, i'll call thee sand

Oh sir, my fire is burning high
If thee should stop sir, i would die
The shooting star has crossed my land
Wandering man, she whispered... Sand (sand)

Young woman shared her fire with me
Now warms herself with memories
I was a stranger in her land
A wandering man, she called me sand

He was a stranger in my land
A wandering man
She called me
Sand

------

penso em vozes que são vulcões e distraio-me.ignoro o fio descarnado que me passa levemente pelos dedos. o corpo é matéria inflamável.arde. não apenas literariamente.recebo uma descarga eléctrica. tensão em versos pelas veias. inflingem dor. largo tudo o que me cabe nas mãos. os gatos assustam-se. estilhaços. o corpo em fragmentos.o corpo.um grito a afundar o silêncio da noite. o corpo. e cantou como canta a tempestade*.o corpo.



E o meu coração, inutilmente incendiado,
despovoado, desfeito em cinza.
(...)

Marina Tsvétaieva


*selecção de poemas de Anna Akhmátova&Marina Tsvétaieva

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

malediction and prayer



1. Iron Lady
2. The Thrill Is Gone
3. My World Is Empty
4. Abel Et Cain
5. Death Letter
6. Supplica A Mia Madre
7. Insane Asylum
8. Si La Muerte
9. 25 Minutes To Go
10. Kiegome
11. I'm Gonna Live The Life
12. Gloomy Sunday


gostava de fazer um filme com esta banda sonora.

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

...
Desprendimento sábio: ter vivido muitas vidas
é não ter vivido
nenhuma - no não falar
também se fala
muito.

...

Eduarda Chiote, Tão sem limite, in O meu lugar à mesa

Here is when we start
And where we end*

Felt mountain. Black cherry. Supernature.

*Seventh Tree, Goldfrapp

sábado, fevereiro 23, 2008

depois de hoje é amanhã.

depois.

depois.

depois.

todo o fim tem um depois.

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

the final cut

chego à conclusão de que o tempo em que ando com a minha solidão mais agarrada à pele me faz mais feliz. e esta é a constatação mais estúpida a que poderia chegar. todos os apelos exteriores são-me agora demasiado pesados. esgotam-se as forças das pernas e dos braços.acordo e já não há tempo nenhum em mim.nem os gatos me convencem do contrário quando se dão ao teatro do seu quotidiano. lambe daqui, lambe dali. espreguiçadela para a esquerda. espreguiçadela para a direita.ronronronronronrommmmmm.
sinto prazer nas minhas tarefas domésticas.mas sufocam-me cada vez mais. qualquer dia estendo-me na corda da roupa depois de uma centrifugação bem acelerada.

o sol bate na página aberta do livro.no final de tudo, queimarei livros, fotocópias, rascunhos, cassetes...todos os vestígios deste processo lento, doloroso, de fazer uma tese que domina tudo mesmo quando não há vontade, nem sobra tempo para fazê-la.toda a dedicação me é arrancada a ferros e rasga-me. e sangro.

não tenho tempo para os meus amigos. não me recordo sequer quando foi a última vez que telefonei aos meus pais.os amigos mais próximos geograficamente encontram-me entre trabalho e intervalos apressados. é verdade. plantei uma árvore. e essa é a forma mais simples de dizer que o tempo vai (quase) todo para ela. ainda não deu frutos.

neste contexto, ter um blogue é um luxo do qual teimosamente não tenho querido abdicar. é esse o meu livro. escrito quase diariamente. o meu lugar mais secretamente público. é aí que me expulso do mundo, que me solto dos fantasmas, que me revelo em escombros.

os dias não os distingo pelo nome.
agarro-me à cabeça e é o coração que adio indefinidamente, como se fosse o orgão mais inútil do meu corpo.com as mesmas mãos o agarro e o expulso para fora de mim. aqui já nada cresce. tudo o que ouso plantar, morre acidentamente, ou por negligência.

mas a verdade não pode ser assim tão simples. a verdade é que eu quis-te aqui. aqui dentro. a fecundar-me neste vazio. não devo enganar mais ninguém. sou estéril. e é um favor que me fazem. fujam de mim. não me procurem. não me pensem. não se iludam. os meus pés não são de barro. não habito ainda as nuvens. eu não existo. sou um bicho de espécie inclassificável.

nestes dias, o meu grande consolo tem sido a grande árvore, a florir de rosa e brancura, por entre o entulho dos quintais vizinhos. essa grande árvore. tão só. tão majestosa. tão rente ao azul.

que o meu silêncio seja a minha mais ardente escrita.

e face a isto não vale a pena virem dizer que gostam de mim.

mais: este post é um daqueles teatros que não merece aplausos no fim.


Glommy Sunday
(the hungarian suicide song)


voz: Billie Holiday
(esqueçam o vídeo)



voz: Diamanda Galas



voz: Heather Nova



Rezso Seress - versão original para piano

quando tiver tempo, ainda assim o tempo não me será suficiente.o relógio não se atrasa. entretenho-me a perder todos os combóios que partem fora de horas. acho que encontro sempre demasiada beleza no rasto quente da partida. quando nenhum adeus foi ainda o último.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

tudo isto para dizer que tenho saudades dos eclipses solares, espreitados por entre o filtro de um rolo fotográfico, em ruas cuja infância não me larga a pele.

talvez se me funda o olhar na lua. se não for de papel.

murder ballads

as árvores irrompiam paredes dentro
as mãos eram raízes
os pés eram raízes
escrevia no cimento com os lábios
com a boca
tinha olhos na ponta dos cabelos em chamas
o fogo eram as sombras a consumirem
as madeiras do corpo
o soalho a ceder na ausência de vultos

nenhuma flor a tecer manhãs nas janelas
nem a abrir palavras na boca

eu quis a morte lentamente
como se morrer fosse apenas dormir para sempre

lembras-te? a morte seria apenas como dormir para sempre

e a noite um barco ancorado em praias
onde o mar nos subia em remoinho a pele dos sonhos

eu quis um dia fechar o mar num aquário
mas desconhecia o rumor das ondas contra paredes de vidro
desconhecia a fome dos corações fora de água

ouviste? eu desconhecia a fome dos peixes fora de água

o mundo devia ser mais bonito de pernas para o ar

falta-nos ainda varrer a terra dos pés para caminharmos sobre nuvens
e acordarmos de cada vez que fecharmos os olhos

lentamente

ouviste?


where the wild roses grow. Nick Cave&Kylie Minogue


[os teus dedos sabem como soprar nas veias eclipses solares. e esmagar o veneno da noite.]

terça-feira, fevereiro 19, 2008

4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile

era outro século aquele. era outro país. era outro regime. mas era. era a lei. e era o crime. e era a fuga. era o poder. os homens tinham o poder e havia mulheres que se atreviam a decidir. era outro século. mas tão perto. para quê fronteiras? para quê muros? era já ali. aqui.
e eu acumulei tensão do princípio ao fim. sentada na última fila, na cadeira mais próxima da porta...não fosse a vontade de fugir ser forte. ou as cólicas abdominais regressarem ao ponto de se tornarem insuportáveis. EMPURRAR PARA ABRIR. o estômago ficou num nó. Otilia e Gabita entraram-me carne dentro. bebi-lhes o medo, a raiva, o desespero, a coragem...bebi-lhes uma certa dose de inconsciência.
no fim, quis um cigarro mas não fumei. quis continuar sozinha. a falar sozinha. mas não me deixaram. havia marcas de chuva no chão. apeteceu-me caminhar à noite mas enfiei-me no carro. só parei em casa. estacionei o corpo na cozinha. agarrei na faca, tirei legumes do frigorífico e cortei-os. estive duas horas a cortar legumes. a enfiá-los em caixas e sacos. só depois consegui pensar em dormir. antecipei-me à insónia. antevi-lhe a facilidade de se interpor entre mim e o sonho. e dormi. o tempo que dormi, dormi.
Otilia e Gabita. sem máscaras. dois corpos à toa numa roménia fechada. nos seus autocarros velhos. nas suas casas frias. nas suas gentes simples. nas suas ruas escuras. dois corações em sobressalto.
e tudo assim, sem lugar para moralismos. sem julgamentos antecipados, nem tardios. apenas a evidência do poder. e o poder atravessa séculos, fronteiras, olhares. não se erradica com a facilidade com que a faca se encosta aos legumes e os decepa, uns atrás dos outros. o poder entranha-se como o medo. com o medo. viola-nos. faz-nos nascer a clandestinidade nos bolsos. encerra segredos. perante uns, dominado. perante outros, dominador. Otilia e Gabita.

o desfecho. o pacto. a promessa.

"Nunca mais voltaremos a falar sobre isto, está bem?"



hoje de manhã, o meu irmão abriu o frigorífico. e comentou: um bocado doentio isto, não?

o quê? os legumes cortados?
tivesses ido ontem ao cinema...

sábado, fevereiro 16, 2008

as cidades não têm nome


ana c.

os reflexos nocturnos na janela
a cidade tão perto com os seus telhados
de vidro
os seus detalhes recortes sombreados
as casas esquecidas e sem luz
abandonadas de gente
de interiores rasgados e
envelhecidos
onde a lua se esquece de morar
casas de paredes desbotadas
que são como livros a ganhar pó e cheiro nas prateleiras

quem lhes falará para dentro?

apago as luzes
e a cidade morre

afunda-se num coração escuro

milímetros antes da tua mão me chegar
não sou antipática.
mas, às vezes, não sei ser simpática.
é diferente.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Beatriz II



Be_an_actress


Nasceu em 1974. Não era mentira mas Abril, antes de ser revolução, já lhe pertencia. 1 de Abril. Londres. Silveira. Batarda. Beatriz.
As boas actrizes não têm nome. As boas actrizes fazem rir e chorar. Levam-nos para dentro do seu palco. Entram-nos olhos e pele dentro. Não se decompõem na memória mesmo depois do pano cair, ou da tela escurecer. Mesmo em off, ouvimos-lhes a voz. Pressentimos-lhes os gestos.
Por mais que o diga, ninguém acreditará que ser actriz aconteceu-lhe por acaso. Na verdade, nem ela própria acredita assim tanto nisso.

Filmografia

Alice (2005)
It's all gone Pete Tong (2004)
A Costa dos Murmúrios(2004)
Noite Escura (2004)
Amnesia (2004)
The Forsyte saga: To let (2003)
Quaresma (2003)
Pexe Lua (2000)
O que te quero (1998)
Elles (1997)
Porto Santo (1997)
Dois dragões (1996)
A Caixa (1994)
Vale Abraão (1993)
Tempos Difíceis (1998)

Beatriz I

Maria João&Mário Laginha



Beatriz
Chico Buarque
Composição: Edu Lobo/Chico Buarque



Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da actriz

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da actriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva p'ra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da actriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

os dias não têm nome II

Era quase hora de jantar e um homem, de laço na cabeça, esperava à porta de um prédio.

os dias não têm nome I

nenhuma certeza me é tão certa quanto este gesto de puxar para
dentro quem me resiste aos dias
repara: o meu tempo não me chega para desperdícios
e até o gesto de pousar o livro de cabeceira
antes de fechar os olhos à noite
é demasiado contado

desisti do relógio de pulso
mas nem assim se me enganam as horas

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

amor e outros crimes em vias de perdão*



1

tu nunca hás-de entender o tamanho das noites
em que gastei tudo o que havia
por dentro dos meus olhos
os rios que de ti desaguaram sempre
nas minhas veias

eu não sabia
ou talvez já o tivesse esquecido
como podem ser mortíferas as cinzas
das palavras que um dia tiveram asas

e ainda mais mortíferas as garras
que nos destroem com os pequenos medos quotidianos
a que não podemos escapar
porque as sílabas da paixão são sempre
os primeiros objectos a serem retirados do quarto
para que tudo regresse à prateleira certa
e de manhã a poeira nos vista
tranquilamente
como um hábito

e foi por isso que nessas noites morri muitas vezes
enquanto as secretas palavras de adeus alastravam
pela foz do teu desejo
e a minha pele se despia
vagarosamente
da tua

Alice Vieira, dois corpos tombando na água,Caminho


Como se fosse fácil tombar palavras sobre o papel e fazê-las entrar pele dentro, sem nos deixarmos entristecer. Este livro desassossegou-me da prateleira de uma livraria e agora que o seguro nas mãos temo regressar às suas páginas tantas e tantas vezes que afogar-me é tudo o que quero evitar.

terça-feira, fevereiro 12, 2008


Sarah Wilmer

hoje fiquei a ver-me fumar no reflexo nocturno da janela.

domingo, fevereiro 10, 2008

be_tween

lisboa é isto: apetecer ficar sabendo que se vai partir.
o porto é isto também.
e, assim, a vida vai-me acontecendo entre regressos.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

UNDER STRANGE SKIES*


*daniel blaufuks



há sempre beleza nas janelas mesmo quando espreitam nevoeiro dentro
de olhos embaciados pelo frio das manhãs
ainda assim os gatos escorregam pelos telhados
ainda assim as gaivotas sobrevoam contra o silêncio das bocas
tu abres e fechas a porta da rua sacodes a humidade dos sapatos no tapete
tinges de doçura os cabelos ao encontro dos teus dedos
o teu regresso é a minha única fuga
se te peço não ignores
deita-me nos teus lábios se souberes como
rasga-me o interior do medo
conta-me histórias de combóios perdidos nas tuas viagens
assinala-me a vermelho as cidades onde morreste no vazio de outro corpo
a casa imaginada no cimo da montanha a árvore a resvalar inquieta sobre o vale

à superfície da água respira-me do avesso
à tona à toa como se nadar fosse a mais complexa ciência
e eu fosse de todos os Homens o mais ignorante

*

(se te explicasse agora isto. esta flor. esta pétala a nascer-me por entre os dedos.este líquido perfumado a crescer-me nos lábios. se te explicasse agora. morrerias, de certo, por contágio.)

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Capítulo VI

- Não respire!
Não estava no fotógrafo. Estava no serviço de radiologia de Reykjavik. É a frase de todas as sociedades aos seus cidadãos. "Não respirem".


(...)

Pascal Quignard, As sombras errantes

domingo, fevereiro 03, 2008


cig harvey

a partir de hoje as mãos estarão sepultadas longe
do corpo
na terra, vermelha, húmida, barrenta
incapaz de engolir a saliva das palavras
a gota de esperança dos vidros embaciados
o meu coração é um cemitério de cadáveres vivos
é costume festejarmos a lua à volta da mesa
um copo e um cigarro, os lábios esborratados de silêncio
a linha preta a contornar o horizonte dos dedos

os pés crescem para fora dos ossos
a carne transborda o sangue côa nas veias
domingo à tarde e as magnólias demoram-se nas avenidas
é capaz de chover é capaz de me apodrecer a pele
a raíz dos cabelos
o borboto das camisolas de lã

hoje morreu mais um poema morreu de fome e de sede
e de doçura

hoje

porque hoje não saberei dobrar as esquinas
sem que me perca das cidades que costuro
na margem irregular dos bolsos

domingo-lençóis-d'água

sábado, fevereiro 02, 2008

happy and bleeding

a pique. sem rede. vôo.

porque rasgar os joelhos é o meu passatempo preferido.



o sorriso é mal-disfarçada-dor.


(post-scriptum à noite de ontem)



Ontem foi:

About me:

A minha foto
a entropia é a minha religião. alterno a leitura da bíblia com a interpretação de mapas e mãos. bebo, preferencialmente, azul. tenho, ainda, o hábito de escrever cartas_

Sopra-me ao ouvido: