"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro

segunda-feira, junho 18, 2007

(Quase) Improvável

Talvez porque nos últimos dias me ando a debater com teorias sobre a imprevisibilidade associada às acções dos indivíduos, lembrei-me do livro do Paul Auster - o caderno vermelho -, onde ele descreve uma série de episódios que remetem para a velha máxima "nada acontece por acaso", ainda que não saibamos, frequentemente, explicar o significado dos acasos com que nos deparamos diariamente. Há coisas tão improváveis que nos arrepiam quando se nos atravessam na nossa rotina. Havendo acasos mais comuns do que outros, podíamos dar-nos ao trabalho de construir uma escala de intensidade dos mesmos. Sinto-me tentada a faze-lo futuramente com os meus. Anotá-los num caderninho - preto, para não variar - assinalando o respectivo grau de ocasionalidade: muito frequente, frequente, pouco frequente, raríssimo...
Interrogo-me se ter mudado de uma cidade maior para uma cidade mais pequena fez disparar o número de acasos e a sua intensidade. Arrisco-me a formular a hipótese da escala geográfica não interferir grandemente com a ocasionalidade, a não ser no facto de que, ao considerarmos uma escala geográfica mais alargada, sentimos o acaso raríssimo como ainda mais raro.
Recordo-me de estar já a viver no Porto e de me ter deslocado a Lisboa de carro. Numa das minhas deambulações pela cidade, ao passar por uma das confusas rotundas da capital, cruzei-me com a viatura de uma amiga do Porto - reconheci-a pela matrícula - que me havia ocultado a sua ida a Lisboa. Acabei por buzinar-lhe e tomámos um café que lhe valeu uma multa de estacionamento.

Há acasos que consideramos tão improváveis que chegamos a duvidar deles. Aconteceu-me isso recentemente. Preferi encontrar uma desculpa que o invalidasse do que acreditar na sua completa veracidade. A história foi, mais ou menos assim: Esperava de madrugada a chegada de uma amiga que regressava de um concerto em Coimbra e me havia pedido dormida. Dissera-lhe para me dar um toque para o telemóvel quando estivesse à porta do prédio, em vez de tocar à campainha. Preferia ser acordada pelo toque do telefone. Na verdade, acabei por arranjar o que fazer e esperei-a bem acordada. Próximo da hora em que ela chegaria, o meu telefone tocou. No visor, o nome de alguém improvável, com quem, por acaso,até me havia cruzado nessa noite, o que já por si só constituía um acontecimento raro! Guardara o seu número por meras questões profissionais. Atendi o telefone com desconfiança. Do outro lado, a voz confirmou-me que estava com uma amiga minha que não tinha saldo no telemóvel e se esquecera do número da minha campainha. Não lhe reconheci a voz. A pessoa obviamente não fazia ideia com quem estaria a falar. Abri a porta algo incrédula e contei à minha amiga o sucedido para ela me dar a descrição da pessoa com quem acabara de falar ao telefone. Havia características físicas que não coincidiam. Preferi acreditar que, por engano, havia guardado, sob um nome conhecido, um número errado que, por acaso, pertencia à pessoa que havia ajudado a minha amiga. Um dia depois, tinha a confirmação, através de outro amigo, que a pessoa com quem havia falado ao telefone naquela madrugada, cujo número fazia parte da minha lista de contactos, era, efectivamente, a pessoa que eu pensara ser improvável. Conclusão, ao duvidar de acaso tão raro tinha preferido complicar ainda mais a improbabilidade daquela série de acções.
Ainda não voltei a cruzar-me com a dita pessoa para lhe agradecer o favor que fez à minha amiga e nos rirmos um pouco do sucedido.

É por causa destas e de outras que a mentira tem perna curta e que não vale a pena andarmos por aí feitos avestruzes, a esconder a cabeça na terra...


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Az

Faz hoje um ano que eu e o Simão nos conhecemos. Tinham-me dito que era o gato com o olhar mais bonito de toda a ninhada. Quando o vi, enroscado, tímido, pequenino, e a soltar um miar aflito, de quem havia sido separado de mãe e irmãos, e de espaço livre, senti um misto de ternura e de arrependimento. Apesar de tudo, acho que tem sido um gato feliz, ainda que lhe pressinta uma ponta de tristeza no olhar, mesmo quando me fita do alto do frigorífico e eu já sei que se prepara para fazer alguma asneira.
Gosto do calor dele, gosto que me aqueça o corpo como se fosse a minha mantinha de inverno, gosto quando encosta o nariz molhado à minha face a protestar por um carinho, gosto quando chego a casa chateada e ele se enrosca nos meus passos a distrair-me dos pensamentos... Gosto de o ver, assim, a dormir embrulhado à gata Teresa, como dois corpos que se encaixam perfeitamente, misturados na profundidade dos sonhos.

E pensar que há uns tempos seria improvável eu encostar a minha mão ao pêlo de um gato...

5 comentários:

Mary disse...

Parabéns ao Simão gato de duas cores que gosta de se enroscar nas pernas de quem te visita de madrugada.
No quase ou nada, pouco ou muito improvável terás que acrescentar o grau de afectividade das ocasionalidades tipo: grau de amigo/conhecido...ou teres sempre em mente que o Porto é mesmo um penico...

Anónimo disse...

Parabéns ao Simão! :)
Gostei das avestruzes Ahahahah
Teja

Anónimo disse...

e já agora.. Obrigado maria! ;)

ana c. disse...

o grau de afectividade está sempre implícito, pelo menos, na minha cabeça.

o simão agradece os parabéns com uma espreguiçadela ;-)

ana c. disse...

ah, e quanto ao Porto ser um penico... não foi por acaso que eu dei um exemplo de Lisboa. Quem é que numa rotunda em Lisboa coincide com alguém do Porto????!!!! Isto para não dar exemplos de ainda mais estranhos. A velha questão é que o mundo é mesmo uma aldeia!

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a entropia é a minha religião. alterno a leitura da bíblia com a interpretação de mapas e mãos. bebo, preferencialmente, azul. tenho, ainda, o hábito de escrever cartas_

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