As mãos resistem ao calor deste agosto. Mantêm-se frias. Imunes à temperatura que corre pela cidade. Ponho um disco triste a tocar e espero que os gatos venham falar-me do seu dia. Dos planos para o futuro. A casa, as janelas, os jardins. Abro o livro na mesma página onde ontem o deixei. O parágrafo a ler:
"Acordo nos olhos dos outros quando se abrem. Não durmo, mas deposito-me, inerte, entre as pálpebras e as retinas das pessoas. As pessoas são os meus, só. Nós só podemos ser o olhar de quem amámos e de quem nos amou. O resto do mundo não existe, é outros dias e outras madrugadas."*
Fecho o livro. Escorro o corpo pelo sofá. O sol entra pelas traseiras da casa. Infiltra-se na lombada dos discos. Recorta o chão. Há um gato a espreguiçar-se no tapete, enquanto o outro escova o pêlo.
Fala-me de ti. Gostas de reflexos? Fecho os olhos, por instantes. Releio de memória o parágrafo encerrado no livro. E se eu falasse agora alguém me ouviria? A quem entregar os segredos quando não há ninguém na casa? Que gente minha me existe? Aqui, agora, é o resto do mundo, só esse. Outros dias. Outras madrugadas. Mas o que verdadeiramente importa é que as mãos estão frias. Tão frias que evito arder enquanto não chegas.
*Jorge Reis-Sá, Todos os dias
hiddentrack
Quero estar a 4000 m de altitude, ter o coração seguro entre os dedos e pensar que tudo é simples, enquanto a neve incendeia.
"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro
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- a entropia é a minha religião. alterno a leitura da bíblia com a interpretação de mapas e mãos. bebo, preferencialmente, azul. tenho, ainda, o hábito de escrever cartas_
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1 comentário:
Este é melhor local para alguém te ouvir,
eu fui um deles.
Adeus
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