É quando o gato se enrola na chuva, do lado de cá da janela, que me vem à memória o cheiro das cortinas. Talvez tenha sido numa tarde como esta. A chuva mansa a cair na rua. A noite a apressar-se a chegar aos olhos. Tu a tricotar no canto iluminado da sala. Eu não sabia que era possível reparar um coração com agulha e linha. Mas era assim que tu curavas os desacertos do teu. E quando o outono chegava, e quando caíam as primeiras chuvas de outubro, era com urgência que lhe reforçavas pacientemente as costuras.
Um dia cheguei-te de peito aberto. Tu pousaste a mão sobre a ferida e nada disseste. Em vez de agulha e linha, chamaste o gato para a lamber. Jamais sangrei do peito. Mas o gato sabe, tanto quanto eu, que é sempre mais difícil encontrar cura para aquilo que não se vê.
"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro
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1 comentário:
gostei particularmente do teu final "... que é sempre mais difcíl encontrar cura para aquilo que não se vê."
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