Há muito tempo que não me apaixonava por um livro. Daqueles que ficam na mesa de cabeceira quando nos deitamos e que se levantam connosco para nos acompanharem ao longo do dia. As sombras errantes, de Pascal Quignard, foi uma bela surpresa, daquelas que têm ainda um valor acrescido porque vêm de longe, de quem nos é próximo. E porque me apetece partilhar aqui fica:
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Há um mundo que pertence à margem do Letes.
Esta margem é a memória.
É o mundo dos romanos e o das sonatas, o do prazer dos corpos nus que amam a persiana meio-fechada, ou o do sonho, que gosta dela ainda mais encostada, até simular a escuridão da noite ou a inventá-la.
É o mundo das pegas sobre as sepulturas.
É o mundo da solidão que a leitura dos livros ou a audição da música requerem.
O mundo do silêncio tépido e da penumbra ociosa onde vagueia e subitamente se excita o pensamento.
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Onde a carne se levanta ou se abre.
Somos víviparos. Vivemos antes de nascer. Aconteceu que o nosso coração bateu antes de respirarmos. Os nossos ouvidos ouviram antes de os nossos lábios descobrirem a existência do ar. Nadámos na água escura antes de as nossas pálpebras se terem aberto, antes de os nossos olhos se terem ofuscado, depois cegado, depois vissem, antes de a nossa garganta ter secado, depois sufocasse um instante, depois conseguisse comer o ar, depois imitar palavras cuja entoação parecia tranquilizadora.
(...)
"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro
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2 comentários:
uau. estou convencida.
vou procurar. não conheço.
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