chego à conclusão de que o tempo em que ando com a minha solidão mais agarrada à pele me faz mais feliz. e esta é a constatação mais estúpida a que poderia chegar. todos os apelos exteriores são-me agora demasiado pesados. esgotam-se as forças das pernas e dos braços.acordo e já não há tempo nenhum em mim.nem os gatos me convencem do contrário quando se dão ao teatro do seu quotidiano. lambe daqui, lambe dali. espreguiçadela para a esquerda. espreguiçadela para a direita.ronronronronronrommmmmm.
sinto prazer nas minhas tarefas domésticas.mas sufocam-me cada vez mais. qualquer dia estendo-me na corda da roupa depois de uma centrifugação bem acelerada.
o sol bate na página aberta do livro.no final de tudo, queimarei livros, fotocópias, rascunhos, cassetes...todos os vestígios deste processo lento, doloroso, de fazer uma tese que domina tudo mesmo quando não há vontade, nem sobra tempo para fazê-la.toda a dedicação me é arrancada a ferros e rasga-me. e sangro.
não tenho tempo para os meus amigos. não me recordo sequer quando foi a última vez que telefonei aos meus pais.os amigos mais próximos geograficamente encontram-me entre trabalho e intervalos apressados. é verdade. plantei uma árvore. e essa é a forma mais simples de dizer que o tempo vai (quase) todo para ela. ainda não deu frutos.
neste contexto, ter um blogue é um luxo do qual teimosamente não tenho querido abdicar. é esse o meu livro. escrito quase diariamente. o meu lugar mais secretamente público. é aí que me expulso do mundo, que me solto dos fantasmas, que me revelo em escombros.
os dias não os distingo pelo nome.
agarro-me à cabeça e é o coração que adio indefinidamente, como se fosse o orgão mais inútil do meu corpo.com as mesmas mãos o agarro e o expulso para fora de mim. aqui já nada cresce. tudo o que ouso plantar, morre acidentamente, ou por negligência.
mas a verdade não pode ser assim tão simples. a verdade é que eu quis-te aqui. aqui dentro. a fecundar-me neste vazio. não devo enganar mais ninguém. sou estéril. e é um favor que me fazem. fujam de mim. não me procurem. não me pensem. não se iludam. os meus pés não são de barro. não habito ainda as nuvens. eu não existo. sou um bicho de espécie inclassificável.
nestes dias, o meu grande consolo tem sido a grande árvore, a florir de rosa e brancura, por entre o entulho dos quintais vizinhos. essa grande árvore. tão só. tão majestosa. tão rente ao azul.
que o meu silêncio seja a minha mais ardente escrita.
e face a isto não vale a pena virem dizer que gostam de mim.
mais: este post é um daqueles teatros que não merece aplausos no fim.
Glommy Sunday
(the hungarian suicide song)
voz: Billie Holiday
(esqueçam o vídeo)
voz: Diamanda Galas
voz: Heather Nova
Rezso Seress - versão original para piano
"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro
sexta-feira, fevereiro 22, 2008
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