De ti guardo uma fotografia pendurada na parede
De uma casa que não é minha
Guardo os teus olhos, verdes de esconder o nascer do sol nos campos
Era terra a carne que trazias debaixo da pele
Era água o vermelho que te corria nas veias
Adivinho que sorriste mais do que posso lembrar-me
Porque é verdade que não te trago senão nesta mão cheia de Outonos
É verdade que junto às folhas secas recordo o cheiro da lenha que ardia
Nos Invernos
Foste tu que plantaste a primeira tristeza que descobri no olhar da minha mãe
A roupa preta a mascarar-lhe a saudade que nenhum pedaço de futuro sacia
É verdade que te olho no reflexo de todas as fontes
E depois trago-te em gotas geladas para o frio dos meus dedos
És uma memória que gosto de pendurar nos ramos das árvores de natal
Dezembro foi o mês em que começaste a desaparecer-nos dos dias
Eu tinha tudo ainda pela frente e nem reparava em quão efémero pode ser um sorriso
Se há coisa que não esqueço é o teu adeus
Mas nem sequer me lembro do dia, nem da hora
Sei que era manhã e fazia frio
E devo ter corrido nessa tarde
E devo ter rido de nada
Herdei-te um pedaço do verde dos teus olhos
E exibo-o a torto e a direito
Invernos fora
Tu, José, fazes-me acreditar que há vida ainda para te conhecer melhor
Porque ninguém sobrevive apenas em retratos pendurados em paredes
Nem em memórias que se visitam de olhos abertos
Acende-se uma ave nos céus e eu sei que é noite
E sorrio à ideia de te ter escrito este poema que nunca poderias ter lido
"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro
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