"Nada torna, nada se repete, porque tudo é real."
*Alberto Caeiro
quinta-feira, dezembro 06, 2007
The bird of music
ana, lisboa, santiago alquimista
Depois do que aqui e aqui se escreveu sobre as Au Revoir Simone e o concerto em Braga, não me fica grande coisa para dizer sobre as meninas nova iorquinas e o seu concerto em Lisboa, no Santiago Alquimista. Ainda assim, arrisco. E arrisco até numa perspectiva diferente. Por que não?
A alma abandona-se. Os primeiros acordes de guitarra, a voz melancólica e entra-se depressa na noite. Até há nevoeiro, até faz frio, parece já Inverno e não crescem flores por entre o asfalto húmido. Era assim que podia começar. Mas em vez das Au Revoir Simone teria de falar de outra banda qualquer.
O Santiago Alquimista é uma sala interessante. As madeiras e as paredes em pedra, a luz, a varanda a contornar o espaço dos concertos, as escadas para a plateia, reduzida, de lugares em pé... as pessoas sentadas em redor da varanda, em lugares reservados, as pessoas sentadas na berma do palco, as pessoas a acomodaram-se em pé, primeiro dispersas, depois um amontoado já irrespirável, sem deixar grande visibilidade para os três teclados alinhados, e mais tarde para as três raparigas de cândida figura. Sem espaço para os movimentos que os bits das canções vão pedindo aos corpos.
As Au Revoir Simone são duas loiras e uma morena. São duas mais contidas e uma mais despachada que até entorna a água enquanto faz os seus passos de dança e se mete com a rapariga da primeira fila que sabia de cor as letras de todas as canções. A morena, nitidamente adoentada, entrou de cabelo apanhado, de cachecol envolto ao pescoço, de casaco de lã e mitenes. Senti-me identificada. As Au Revoir Simone também se constipam. São humanas. Apesar das personagens imaculadas, há muito pouco de angelical nelas. Diria antes uma perversidade disfarçada. Mal disfarçada.
Nem toda a música que se faz no mundo tem que ser chagas e sangue e esgares de dor. Nem todas as mulheres têm que transportar na voz uma melancolia outono-inverno e uma expressão lânguida. Eu preferia ter assistido a tudo isto. Eu preferia ter tido à minha frente a Beth Gibbons no seu cavalo negro. Mas isso seria outra história.
Vislumbro nas Au Revoir Simone alguns pedaços de coração condoídos. Mas tudo isso é transmitido com enorme leveza e extrema candura. E é por isso que elas passam a imagem de se passearem despreocupadamente de braços abertos ao sol, de sorrisos feitos flores, talvez amores-perfeitos, de brisa nos cabelos.
No fundo, no fundo, elas deitaram a cabeça na almofada, tiveram um sonho, onde havia clareiras, cantos harmoniosos de pássaros, rios cristalinos...ou seja,viram-se no paraíso e souberam que, ainda que as histórias possam ser labirínticas, há espaço para finais felizes. Ainda que o sorriso possa ser efémero, se não levantarem a cabeça da almofada, se não acordarem do sonho, não precisam de chorar por isso. Nos sonhos tudo é possível. E elas conseguem habitar o sonho. Pelo menos, ali, à nossa frente. Não há nada de errado nisso. E talvez não pareça mas elas queiram mesmo fazer-nos acreditar apenas nisso, ao menos por umas horas.
As Au Revoir Simone foram iguais a elas próprias. Nós é que somos diferentes delas.
E estive muito bem acompanhada no concerto. E isso foi o mais importante.
Au Revoir...Simone!
Let's go to a place called Clã!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Ontem foi:
- setembro (7)
- outubro (23)
- novembro (29)
- dezembro (22)
- janeiro (21)
- fevereiro (24)
- março (46)
- abril (42)
- maio (27)
- junho (39)
- julho (39)
- agosto (45)
- setembro (36)
- outubro (32)
- novembro (38)
- dezembro (33)
- janeiro (33)
- fevereiro (24)
- março (25)
- abril (21)
- maio (13)
- junho (22)
- julho (23)
- agosto (7)
- setembro (15)
- outubro (15)
- novembro (13)
- dezembro (11)
- janeiro (9)
- fevereiro (2)
- abril (1)
- maio (6)
- junho (3)
- julho (7)
- agosto (2)
- setembro (11)
- outubro (8)
- novembro (5)
- dezembro (3)
- janeiro (5)
- fevereiro (2)
- março (6)
- abril (2)
About me:
- ana c.
- a entropia é a minha religião. alterno a leitura da bíblia com a interpretação de mapas e mãos. bebo, preferencialmente, azul. tenho, ainda, o hábito de escrever cartas_
Sopra-me ao ouvido:
Outras casas:
Hoje é:
*a balada do café triste *alice *acknowledge yourself *alice turvo *a framboesa *a dança dos erros *arte critic *atum_bisnaga *bluesforsistersomeone *candeia *com a luz acesa *com sentimentos *corpo visível *diasfelizes *didi bruun *errancia *lobos que uivam! *focof *hiroshima *indigo *It´s the fresh of the night *kasca de noz *littleblackspot *LolliPopDrop *loose lips sink ships *lonely hunters *menina limão *maria vai com as outras *o blog da maria *meninas e moças,cachopas e gaijas... *morrer de improviso *muita letra *mr-robinson *nelson d'aires *no arame *nonsense&ouisense *o assobio das árvores *objecto permanente *o de sempre *o perfil da casa, o canto das cigarras *o polvo *o rasto dos cometas *paixão sobre tela *paperback cell *palavra vazia *priscila fernandes *sabor a sal *sofrega *so mais uma pagina *subida aos céus *tempus fugit *uma casa em beirute *vidro azul *voo inclinado
7 comentários:
agora não tenho tempo de ler o post, mas é só para dizer que se fosse a ti ficava em lisboa no dia 8, mais propriamente na ZDB. para confirmares o que digo, espreita a minha casa enquanto é tempo.
"Apesar das personagens imaculadas, há muito pouco de angelical nelas. Diria antes uma perversidade disfarçada."
acho que foste muito certeira com estas palavras.
depois da nossa conversa, não é um bocadinho...surreal...vá, estranho, que tenha sido eu a escrever aquele texto e tu a escreveres este? :P
quero pensar no que escreveste, mas depois prefiro conversar. ;)
Au Revoir Simone, yeah! Clã, yeah yeah! Now, let's go to Nouvelle Vague! yeah yeah yeah!
limão, ZDB não me parece possível. é pena. fica para a próxima.
realmente, parece que trocámos de posições. mas tudo é reversível ;-)
eu ABOMINO as au revoir , pronto desculpa lá, mas não me canso de dizer isto em todo o lado. foi bom não te ler deslumbrada com as tangosas :P
atenção, não é pq elas são felizes, nada disso, é porque a felicidade delas é estéril.
No fundo concordo e gosto muito da tua ultima frase "
As Au Revoir Simone foram iguais a elas próprias. Nós é que somos diferentes delas." só lhe acrescentava um "e ainda bem" a seguir ao ponto final.
não precisas de pedir desculpa por expressares a tua opinião. percebo-a perfeitamente.
Enviar um comentário