Eu tinha a melhor das intenções quando decidi partir. E a melhor das intenções era querer voltar. Mas antes de voltar eu queria ter dado voltas ao mundo para que ele saísse do lugar. Eu queria ter mochilas e sacos de viagem cheios de estórias, fotografias, mapas de cidades, pacotes de açúcar, folhetos do que aconteceu e eu vi, folhas de árvores recolhidas de avenidas enormes, notas escritas à pressa em mesas de cafés, bilhetes de cinema e de concertos, entradas para museus, memórias de janelas com vista para jardins... Em vez disso, subi e desci sempre as mesmas ruas. Desaprendi o fogo porque o Inverno foi lento e frio. Habituei-me em demasia aos casacos. Ao chá pela noite dentro. Desenvolvi a capacidade de me esquecer das coisas.
Tenho escrito muito pouco. Não que me deixe emocionar menos pelo mundo e pelas pessoas. Mas porque não me permito corromper o coração, trazendo-o para um tempo de escassez. Quero manter-me distante do que tenho que ser agora. Vivo a tempo inteiro aquilo que sempre vivi a meio-tempo. E começo a compreender o que verdadeiramente nos envelhece.
Nestes dias, é um privilégio ter onde, por fim, pousar as mãos. E, às vezes, é isso, só isso, e apenas isso, que me empurra o sorriso ao longo das horas.
Aqui estou. Hoje. Amanhã, arranquem-me o coração, ou devolvam-mo.