Sim, já é outono. E sinto a pele arrepiada. Deste frio que entra pelas frestas das janelas. Pelos interstícios da roupa que ainda não aconchego, como segredos, ao corpo. Quero entreter-me a recolher pinhões do chão, a distingui-los da terra e das secas agulhas caídas sob os pés. Os pinheiros mansos. O teu, avô, descaído sobre a estrada de terra batida no caminho para o fontanário. Tão alto, mas tão alto, que só o vento para lhe tocar. E a chuva. E o sol. E este frio dissimulado de Outono. É urgente fotografar esse pinheiro antes que ele morra. É urgente voltar a sentir-lhe o cheiro. O toque das pinhas. A resina do tronco. O ranger da madeira. Quero entrar, novamente, nesse bosque de pinheiros e eucaliptos, de flores e ervas do campo, onde escondias o mel das abelhas. Podia ter aprendido muito mais contigo. Nada havia de exigente na forma como me olhavas. E sinto que foram tão poucas. É irónico como no fim de tudo se emudece. E fica o corpo deitado numa cama. Uma coroa de pinhas. Um feixe de agulhas secas. Um saco de pinhões. As mãos mascarradas das cascas. A água a ferver. A mulher a correr pela casa e a dizer depressa, depressa. Chegámos a tempo do tempo que se te esgotou. Para quê? Dispensava essa memória. Esse rosto branco de olhos cansados. E as casas enfeitadas de natal. E o começo de outro ano à porta. Já sem ti. Sem ti. Se há fantasmas tu não me povoas as noites. Mas cresces-me, antes de adormecer, como uma oração na boca. Que mais poderia eu ter aprendido contigo? Tu, que falavas com as abelhas e agarravas na enxada para rasgar a terra, em vez de lhe fazeres perguntas que vêm nos livros?
Há muito que tudo ficou mais feio. Foi depois. E resta o pinheiro. Esse a quem devo fotografar o sorriso. Não só mas também porque já é outono.
"Anda amarelado o galo como a gema que o pariu o sol nunca lhe sorriu quanto ao pinto, é um regalo não há sol que não o tisne o galo canta de galo para o pinto é canto de cisne"
(Sérgio Godinho)
segunda-feira, setembro 24, 2007
À ana-dos-anjos-tinoco, pela poesia que traz dentro
as palavras que te nascem, essa espontaneidade na fala, no que aflora à ponta dos dedos.as borboletas a dançarem-te nas veias, os dias que trazem vento na voz, as nuvens como uma canção a atrasar o relógio. de olhos abertos, de encontro ao horizonte, a cidade viaja-te. se és anjo, se entendes a sua fala, saberás de cor o caminho por onde se regressa. ou vais dizer que tudo não passa de um retrato?
é domingo à tarde. as conversas de domingo à tarde são sempre pouco interessantes, circunstanciais. pelo menos, aqui, deste lado. é até mais comum ficar a falar comigo própria. ou olhar para as paredes. e sentir fome. ir comendo umas bolachas. um iogurte que se tenha esquecido na mochila. fumar o cigarro do dia. tenho saudades das folgas ao fim-de-semana. de chegar a sexta-feira e sentir que posso fechar portas ao mundo. encerrar-me em mim. tenho saudades de quando o domingo era véspera de segunda-feira. e sexta-feira era véspera de sábado. tenho saudades dos fins-de-semana de pijama e chinelos e muita televisão a entrar pelos olhos. cresce-se, quere-se espaço, muda-se de cidade, deixa-se a família e os amigos a uma certa distância geográfica, vai-se viver sozinha e depois é isto! mas não me queixo. isto é mais conversa circunstancial de domingo. e à conta disto e daquilo, vou coleccionando mais uns postais, mais umas janelas, mais uns marcadores de livros...umas fotos com filtro e sem filtro de infra-vermelhos. fotos digitais e agfa, velhinha, comprada por 2 euros numa loja de usados. vou conhecendo gente. gente tão diferente. gente bonita. gente feia. gente chata. gente interessante. eu própria, intervaladamente, me vou sentindo bonita, feia, chata, interessante, diferente. há um café aberto na esquina. deve estar à espera dos jogos de futebol do campeonato. deve estar cheio de fumo. deve estar cheio de gente interessante.gente feia. gente bonita. gente chata. gente diferente. vou evitar entrar hoje no café da esquina. verdade, verdadinha: apetece-me ter um dia na semana em que possa faltar a todos os meus compromissos.
isto é para ti. e se é um lugar comum, não me importo. gosta-se e diz-se. e eu digo-o. há 20 anos nasceste-nos de um setembro quente. 1987. ainda não te tínhamos visto e já sentíamos saudades tuas. tu, sempre lá escondido na barriga da mãe. só te conhecíamos o nome. eu esperava-te com a estranheza e curiosidade próprias dos meus 11 anos. 1987. recordo a primeira vez que te espreitei por entre os braços da mãe. choravas. as tuas faces avermelhadas. os teus olhos grandes. os braços da mãe. era mentira o que diziam: não vieste nada fora de tempo. não te atrasaste nem um bocadinho. arrepia-me pensar que a mãe era ainda tão jovem quando te teve. e eu que nem reparei na sua juventude... cresceste-nos demasiado depressa. correste. porquê a pressa? ainda ontem te escondia a chupeta debaixo da almofada para que a esquecesses de vez. ainda ontem, a propósito das nossas brincadeiras, o pai me acusava de ter menos idade do que tu. vês, não se nota nada, a diferença. ainda hoje não se nota nada. 20 anos a construir algo mais do que afinidades sanguíneas. acho que não nos temos saído nada mal. apesar dos 300 kms de distância, apesar das divergências que vão surgindo, eu sei que te posso ter como amigo, cúmplice, confidente... és o meu petit prince. cuido da rosa para ti. e dos gatos. e hoje a saudade é o lugar mais visitado de sempre.
abraço-te. com a certeza de que gosto muito de ti.
p a r a b é n s, petit prince.
este até pode ser o postal de aniversário mais piroso que tiveste na vida. admiras-te? não podia ter vindo de mais ninguém, senão de mim ;-) vá, não te demores. quero fazer-te um jantar e ver-te soprar as velas. e pode ser que ainda salvemos outro gatinho do abandono das ruas.
I know it´s late.Isto era suposto ter sido dito no dia 17 mas... I´m going to say it anyway. Porque, entre nós, já deixámos passar o tempo dos atrasos. Estacionámos nos agoras. E a propósito disso e do resto, lembrei-me que se é verdade que I never ment to break your heart but You broke mine, não deixa de ser menos verdadeiro que...Yes, I´m on my way...
E tem que ser dito mais. Porque é aí que nos encontramos diariamente. Nessa certeza. Deixando de lado todos os lirismos, toda a prosa, mais ou menos poética, dorida; e sem querer apagar, nem rasurar nada do que ficou para trás; sem prometer que não irei lá, uma vez por outra... porque o que é belo é triste e porque eu gosto demasiado das minhas estórias, das pessoas que mas trouxeram à pele, dessas mãos e dedos e cabelos e bocas que me arrepiaram até às entranhas, para seguir em frente sem olhar uma única vez para trás. O futuro não existe ainda. Nunca será depois. Verdade, verdade, é este aqui. Verdade, verdade é isto, que eu sei e que tu sabes. E que não importa que mais ninguém saiba. Nem compreenda. Mesmo que toda a gente o venha ler.
The way I feel now I'll guess I'll be with You till the end.
E clique. Enter. E está dito.
E assim não haverá espaço para o love will tear us apart.
Kate Bush - Wuthering Heights*
Out on the wiley, windy moors We'd roll and fall in green. You had a temper like my jealousy: Too hot, too greedy. How could you leave me, When I needed to possess you? I hated you. I loved you, too.
Bad dreams in the night. They told me I was going to lose the fight, Leave behind my wuthering, wuthering Wuthering Heights.
Heathcliff, it's me-Cathy. Come home. I'm so cold! Let me in-a-your window. Heathcliff, it's me-Cathy. Come home. I'm so cold! Let me in-a-your window.
Ooh, it gets dark! It gets lonely, On the other side from you. I pine a lot. I find the lot Falls through without you. I'm coming back, love. Cruel Heathcliff, my one dream, My only master.
Too long I roam in the night. I'm coming back to his side, to put it right. I'm coming home to wuthering, wuthering, Wuthering Heights,
Heathcliff, it's me-Cathy. Come home. I'm so cold! Let me in-a-your window. Heathcliff, it's me-Cathy. Come home. I'm so cold! Let me in-a-your window.
Ooh! Let me have it. Let me grab your soul away. Ooh! Let me have it. Let me grab your soul away. You know it's me-Cathy!
Heathcliff, it's me-Cathy. Come home. I'm so cold! Let me in-a-your window. Heathcliff, it's me-Cathy. Come home. I'm so cold! Let me in-a-your window.
Heathcliff, it's me-Cathy. Come home. I'm so cold!
*Cathy e Heathcliff são os protagonistas do romance Monte dos Vendavais (Wuthering Heights,no original), de Emily Bronte.
a tarde escorre nas janelas. lá fora é outro cá dentro.na forma como as traseiras das casas me preenchem os sonhos. me levam de volta a lugares que deixei de visitar. o cão a esgravatar a terra. as laranjeiras abandonadas a setembro. reclamo o outono à medida que as cores mudam paisagens. nada se mantém como nas fotos. nem as mãos. nem os pulsos à volta dos quais ato pulseiras. não quero lucidez nas palavras. fujo porque me dói a ausência de dor. porque me agarro sempre antes do chão. duvido cada vez mais da minha própria existência. e não quero provas do contrário. basta sentar-me neste lugar de ausências, a acender cigarros com a perícia de um desastrado, e a ouvir Tom Waits dizer I never felt my heartstrings until I nearly went insane.
vidro azul? last.fm? não sei onde terei esbarrado neste songwriter norueguês. mas ainda bem que esbarrei. do filme "Monstertorsdag", um exemplo. e apetece-me o fim do verão.
honey I told you that these things never last and one of these days now you`ll start dreaming of the past
when life was once too short for all the things we`d do and the shots we`d call and endless summer without a fall when promises were meant to keep and nighttime wasn`t meant for sleep a love story at it`s peak
doesn`t it feel good to know that you`ve been loved and doesn`t it make you laugh when you think of
the day when we all got lost on the old mans farm just trying to get across it was only then I knew what love was sunday mornings that never ended and hangovers that never mended a love story at it`s peak
quinta-feira, setembro 13, 2007
passei a tarde a acender e a apagar fósforos. apeteceu-me incendiar desperdícios. pequeno crime. contra a passividade dos minutos.
- desce a noite no seu respirar lento (a chuva de dedos e cabelos soltos) - há por onde sorrir (nas esquinas dos arrepios) - a palavra (talvez o esboço apenas) - ou o olhar quedo ante a proximidade inesperada (um arpejo simples) - uma canção para fingir de banda sonora (a que sabe o tempo quando se desconhece a hora?) - reconhece-se a manhã pelo canto das gaivotas (o miar sustenido dos gatos) - eu vou (eu fico)
às vezes, não há mesmo nada a dizer. quando assim é, nada tem que ser dito.
estranho cada vez mais quem tem sempre muito do que falar. desconhece, certamente, que é preciso deixar respirar o silêncio para se continuar a fazer sentido.
vou passar a pedir a algumas pessoas um pouco mais de silêncio.
O relógio apitou no controlo em Lisboa. O cinto no de Londres. As botas no de Frankfurt.A bagagem perdeu-se no regresso de Helsínquia.Dores fortes de ouvidos de Londres para Dublin e na longa espera para a aterragem em Barcelona. Medo nas turbulências sobre os picos da Europa.Não há registos de enjôos.
Don’t bother saying you’re sorry why don’t you come in smoke all my cigarettes again Every time I get no further how long has it been? come on in now, wipe your feet on my dreams you take up my time like some cheap magazine when I could have been learning Something oh well, you know what I mean, oh I’ve done this before and I will do it Again come on and kill me baby while you smile like a friend oh and I’ll come Running just to do it again you are the last drink I never should have drunk you are The body hidden in the trunk you are the habit I can’t seem to kick you are my secrets On the front page every week you are the car I never should have bought you are the Dream I never should have caught you are the cut that makes me hide my face you are The party that makes me feel my age like a car crash I can see but I just can’t avoid Like a plane I’ve been told I never should board like a film that’s so bad but I’ve got To stay till the end let me tell you now: it’s lucky for you that we’re friends.
Acho que esta canção adequa-se na perfeição à banda sonora de muitas memórias, por aí...
Gosto do estilo e ritmo deste Jarvis Cocker. Era capaz de o levar comigo para o Mercedes, numa destas noites. Não que esteja insatisfeita com o meu par habitual, que até me parece ter aprendido alguma coisa com o dito senhor...
ana
no vidro acendes lâmpadas, memórias quase absortas de si no céu deserto
antónio franco alexandre
terça-feira, setembro 04, 2007
nestas noites quentes, lembro-me demasiadas vezes do alentejo. saio para a rua à procura da brancura das casas, das janelas e das portas abertas. para esta gente, daqui, o alentejo tem mar, areia, praia.e isso para mim é estranho. esqueço-me frequentemente que há litoral no alentejo. para mim, a essência é a planície.
Este Alexi Murdoch, song writer escocês, a viver na américa, tem qualquer coisa de Erlend Oye, desde a guitarra à voz. Quando ouvi esta Song for you achei que podia ter posto a tocar um dos últimos discos dos Kings of Convenience. Mas, se calhar, é uma comparação abusiva... Banda Sonora para o meu fim de semana. E pode ser que escreva uma canção para ti.
Não é o vídeo oficial mas...
**
so today, i wrote a song for you cause a day can get so long and i know it when you say there
so i cause i want to love you with my heart all this trying has made me tight and i don maybe that
cause you know it that you play filling up your head with rain and you know you are hiding from your pain in the way, in the way you say your name
and i see you hiding your face in your hands flying so you won you think no one understands no one understands
so you hunch your shoulders and you shake your head and your throat is aching but you swear no one hurts you, nothing could be said anyway, you
and you as your heart is trying to mend you keep it quiet but you think you might disappear before the end
and it any strength to even try to find a voice to speak your mind when you do all you want to do is cry well maybe you should cry
and i see you hiding your face in your hands talking bout far away lands you think no one understands listen to my hands
and all of this life moves around you for all that you climb you you are moving too you are moving too
a entropia é a minha religião. alterno a leitura da bíblia com a interpretação de mapas e mãos. bebo, preferencialmente, azul. tenho, ainda, o hábito de escrever cartas_