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Saul Leiter, foot on El,1954
há-de chegar abril por entre os dentes e esconder-nos-emos a tecer
o trigo, as flores das laranjeiras, o alecrim
a medir a altura dos girassóis na planície a sul dos ombros
inventam-se novas estações
a camisa amarrotada na revolta dos telhados
o piano a imitar o descompasso da chuva
queria barcos a nascer dos ramos dos corpos e selar a água dos lábios
sem ferir nenhuma linha de pele
o céu a parir cinza e fogo e as pedras a rolarem contra as paredes do coração
esfaimado
um revólver uma pulseira uma pétala uma caneta suspensa dos pulsos
uma floresta de mapas a confundir a geografia das mãos
a imunidade das bocas
digo-te há papoilas a escorrerem dos livros
façamos um chá
há noites que são noites mas não escurecem
e agora que penso nisso
e abril não tarda
talvez volte a rezar antes de ir dormir